O Quarto Reich Gavriel D. Rosenfeld
Cultrix | 528 págs.
Preço: R$ 50 (Crédito:Divulgação)

No final de 2016, dias após a vitória de Donald Trump na eleição americana, o ator e ativista Harry Belafonte subiu ao altar da igreja Riverside, em Nova York, e anunciou: “bem-vindos ao Quarto Reich”. O uso da expressão em um contexto tão diferente de sua origem, há séculos, na Europa, prova a força de sua simbologia e o magnetismo que ainda desperta em todos os espectros da ideologia política.

Foi isso que levou o historiador Gavriel D. Rosenfeld, professor da Universidade Fairfield, nos EUA, a se debruçar sobre o termo na obra O Quarto Reich. Especialista em nazismo, Rosenfeld explica que o termo vai muito além de um poderoso slogan: é metáfora que habita o imaginário de líderes e movimentos sociais desde o fim da Segunda Guerra – mesmo sem nunca ter existido oficialmente. “Quis me aprofundar nesse conceito porque ele causa um enorme impacto em todos os campos políticos: é um pesadelo para os liberais e uma fantasia para a extrema-direita. É uma arma que seduz diversos públicos nas redes sociais, pois essas plataformas exigem ideias simples e com forte potencial alegórico para serem compartilhadas.”

Traduzido do alemão, “Reich” significa “reino” ou “império”. A palavra foi aplicada pela primeira vez para designar o Sacro Império Romano-Germânico, fundado no ano 800 com a coroação de Carlos Magno, até sua derrocada, mil anos depois, pelo exército de Napoleão Bonaparte. O Segundo Reich, o Império Guilhermino, durou bem menos tempo, apenas 47 anos, de 1871 a 1918. A ideia do Terceiro Reich surgiu na Alemanha após a derrota na Primeira Guerra.

O conceito aparece inicialmente em textos dos escritores Dietrich Eckart e Arthur Moeller van den Bruck, autores que influenciaram Adolph Hitler e Joseph Goebbels, seu chefe de propaganda.

O livro de Rosenfeld atenta que a palavra “Reich” não tinha apenas uma conotação política, mas um componente espiritual e místico. Isso, segundo o autor, ajuda a explicar o fascínio que o líder nazista exercia sobre o povo alemão. Com o fim da Segunda Guerra e a derrota da Alemanha – o Terceiro Reich durou apenas 12 anos –, a expressão ficou restrita a líderes locais. Nos anos 1960, cruzou o Atlântico e passou a ser utilizada no submundo norte-americano, com a proliferação de grupos neonazistas que lutavam contra os movimentos pelos Direitos Civis – é dessa época a fundação do Partido Nazista Americano. Na década de 1970, os princípios do “Quarto Reich” passaram a se referir a uma possível reorganização dos nazistas na América do Sul, para onde muitos haviam fugido.

A discussão sobre “Quarto Reich” ganha importância no século 21 graças à proliferação de líderes populistas com acesso a grande arsenal militar, como Donald Trump e Vladimir Putin. Na Europa, políticos de países como Polônia e Grécia comparam a liderança da Alemanha na União Europeia a um “Reich” econômico, de opressão contra os outros membros. Mas foi um presidente americano, Donald Trump, quem suscitou as maiores alusões à formação de um “Reich” moderno, por meio do apoio de líderes religiosos e a manipulação de grupos extremistas, como os Proud Boys e os Oath Keepers. Putin, por sua vez, acusou o governo ucraniano de “querer formar um Quarto Reich” para atacar a Rússia. É mais uma prova de que a ideia ultrapassou as fronteiras da Europa e torna-se cada vez mais um alerta para todo o planeta.

ENTREVISTA
Gavriel D. Rosenfeld

“O debate no brasil hoje é o mesmo da época de Trump”

Gwendolyn Pellegrino

O conceito de Quarto Reich deve ser associado apenas ao nazismo?
Sua origem é a Alemanha, mas é bom notar que o termo nasceu como alternativa democrática ao Terceiro Reich, liderado por Adolph Hitler. Após a Segunda Guerra, quando os nazistas fugiram para América do Sul, tornou-se um alerta contra a possível reorganização do grupo.

Há risco de surgir um movimento autoritário de alcance global?
Nos anos 1960 e 1970 essa ideia tornou-se universal, e isso ainda vale para os dias de hoje. O Quarto Reich se aplicaria a um novo movimento nazista ou fascista, ou mesmo algo que ainda não está consolidado. No caso do Brasil, discute-se se Jair Bolsonaro é ou não fascista, se vai ou não usar usar politicamente os militares. É o mesmo debate que havia nos EUA na época de Trump.

Ambos buscaram apoio político na direita e em grupos religiosos.
A palavra “Reich” tem uma dimensão espiritual. Define o paraíso utópico, onde nos livramos de nossos inimigos. No contexto brasileiro, não me surpreenderia se evangélicos radicais se unissem a extremistas da direita para excluir minorias do debate político ou reduzir o poder das mulheres, criminalizando o aborto.