Pelo menos quatro soldados com os rostos cobertos intimidaram habitantes de uma cidade da Colômbia, apontando seus fuzis para crianças, mulheres e outras pessoas, em um incidente que o governo descreveu nesta quarta-feira (13) como “extremamente grave”.

“Por que vêm nos atropelar?”, “Vocês acham justo me ameaçar com uma arma enquanto estou com meu filho nos braços?”, “Se identifiquem!”, grita uma mulher com um bebê no colo no município de Tierralta, departamento de Córdoba (norte), segundo vídeos que se tornaram virais.

Nas imagens, um dos soldados com o rosto encoberto saca uma arma e aponta para a mulher. Muito perto, outro levanta seu fuzil na direção dos demais. Três crianças choram abraçadas a outra mulher, enquanto cerca de 20 pessoas repreendem os soldados.

O presidente Gustavo Petro comparou o ocorrido com o paramilitarismo, os esquadrões de direita que, aliados a alguns integrantes do Exército, semearam terror na luta contra as guerrilhas antes de seu desarmamento em 2006.

“Voltar ao paramilitarismo e ao despojo de terras seria o pior erro militar da força pública. Isso não pode acontecer neste governo. É o mesmo Exército que deve apresentar publicamente, ao lado do governo, sua própria investigação nestes atos”, escreveu Petro na rede social X, o antigo Twitter.

Nessa mesma linha, o ministro da Defesa, Iván Velásquez, garantiu que o incidente é “extremamente grave e exige a adoção de decisões drásticas”.

“Nenhuma tolerância com comportamentos que afetam não só as comunidades, mas também as próprias Forças Militares”, escreveu Velásquez na mesma rede social.

Ao longo de meio século de conflito interno, os militares estiveram imersos em escândalos sobre violações dos direitos humanos na Colômbia. Entre 2002 e 2008, efetivos da força pública assassinaram mais de 6.400 civis que foram apresentados como guerrilheiros mortos em combate, uma prática macabra que ficou conhecida como “falsos positivos”.

– ‘Sentimento de tristeza’ –

A Defensoria do Povo pediu às autoridades “esclarecer violações aos direitos humanos” em Tierralta, entre eles um suposto “ato de abuso sexual cometido contra uma mulher indígena”.

O Ministério Público e a Procuradoria, o órgão estatal que fiscaliza os funcionários, abriram investigações sobre o caso.

Uma “comissão inspetora” do Exército se deslocou para a região para “verificar” o “possível ato de violência contra a população civil”.

“Não se trata de esconder a verdade. Aqui, quem descumpriu ordens, quem incentivou uma ação indigna que extrapola nossa doutrina militar, nossos princípios e valores, nossos procedimentos, terá que assumir as consequências dos seus atos”, garantiu para a imprensa o general Helder Giraldo, comandante das Forças Militares.

Segundo Orlando Triana, defensor de direitos humanos da comunidade, os uniformizados fizeram-se passar por membros das dissidências das Farc que se afastaram do acordo de paz de 2016.

“Quando se pensa que a força pública vai defender a população civil e acabamos sendo subjugados e revitimizados, fica um sentimento de tristeza”, comentou Triana em entrevista à AFP por telefone.

Apesar da assinatura do acordo de paz que desarmou a maior parte da antiga guerrilha, a Colômbia ainda é palco de um conflito armado que envolve rebeldes, traficantes de drogas, paramilitares e agentes estatais.

No departamento onde ocorreu o incidente atua o Clã do Golfo, o maior cartel de drogas do país.

Triana assegurou que a comunidade tem sido “historicamente estigmatizada” por sua localização próxima a grandes cultivos de coca.

Em março de 2022, um comando militar invadiu uma cidade na fronteira com Peru e Equador, onde era realizada uma feira com a presença de centenas de moradores. Onze pessoas morreram, entre eles um menor de idade, um governador indígena, um líder comunitário e sua esposa grávida.

O governo Petro, o primeiro de esquerda da história do país, se comprometeu a eliminar os abusos da força pública com um enfoque em direitos humanos. Também aposta em desmobilizar a guerra interna mediante o diálogo com todos os grupos ilegais.

Segundo a ONU, a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo.

llv/vd/ll/tt/rpr/am

X