Um aplauso abafado por uma música pop bem alta dá início aos clicks das câmeras. Com trajes de banho, Sofía Salomón posa naturalmente com a mesma segurança que aspira ser a primeira mulher transgênero a competir no Miss Venezuela.

Esta modelo de 25 anos espera que essa “repercussão” dê “visibilidade” para as pessoas trans em uma sociedade bastante conservadora.

Este evento é mais do que um concurso de beleza num país com sete “rainhas” da categoria Miss Universo – 1979, 1981, 1986, 1996, 2008, 2009 e 2013 – e seis ganhadoras do Miss Mundo – 1955, 1981, 1984, 1991, 1995 e 2011. Apesar de uma década de crise econômica, o concurso continua reunindo milhões de espectadores.

“Da mesma forma que o futebol é muito importante em outros países, ser uma rainha da beleza aqui é muito importante (…), é um sentimento e para mim é muito bonito”, disse à AFP Sofía, cuja candidatura causou alvoroço nas redes sociais e na imprensa pouco tempo antes da competição, prevista para dezembro.

“Eu estava em um restaurante aqui em Caracas e uma pessoa me disse: ‘Ei, você é a Sofía Salomón, a transexual que vai participar do Miss Venezuela?’. Isso já está repercutindo (…) e é disso que se trata: dar visibilidade ao que ninguém fala”, comenta após a sessão de fotos.

“Todo mundo acompanha o que acontece no Miss Venezuela”, diz ela. “Para mim, estar lá seria fazer história”.

No ano passado, ela competiu no Miss International Queen, o maior concurso de beleza para mulheres trans, na Tailândia, e ficou entre as seis primeiras.

“Foram muitas mensagens nas redes sociais” de pessoas que queriam que ela “participasse de outro concurso”, descreveu a modelo. “Agora que o Miss Universo e o Miss Mundo aceitam meninas transgênero, essa possibilidade se abre para eu participar do Miss Venezuela”.

Ángela Ponce quebrou barreiras quando, em 2018, foi a primeira mulher trans no Miss Universo como Miss Espanha.

– Mensagem para a sociedade –

O rosto de Sofía Salomón reflete concentração quando seu assessor de imagem, Jordys Charles, avisa que o fotógrafo vai começar a sessão.

Entretanto, o evento está cada vez mais perto. As inscrições para o Miss Venezuela se encerram no dia 31 de maio e cada candidata será avaliada, posteriormente, para seleção de participantes.

“Desde que me entendo por gente, tive o apoio do meu pai, da minha mãe e de toda a minha família (…). Tive uma infância excelente, cheia de respeito, de amor, e assim tudo fica mais fácil, porque você pode mostrar à sociedade quem você realmente é”, relata.

Nascida em Ciudad Bolívar, no sul do país, a jovem já foi modelo na Espanha, no México e é dona de uma marca de roupa – ‘Diva by me, Sofía Salomón’.

Nem todo mundo tem essa sorte.

“Ser trans na Venezuela é um inferno para muitas pessoas”, lamenta Richelle Briceño, mulher trans e ativista.

“A oportunidade que a senhorita Sofía Salomón tem é uma mensagem para a sociedade (…) Apesar da Venezuela ser um país extremamente conservador (…), nós, as pessoas trans daqui. sobrevivemos e nos impomos no bom sentido da palavra, porque estamos ocupando espaço”, reconhece a advogada.

– “Sempre tem sido assim” –

A Argentina foi uma precursora na América Latina ao aceitar a mudança de gênero em 2012, seguida pelo Uruguai, Equador, Peru e pela Colômbia. A Venezuela não tem legislação a esse respeito, permitindo apenas mudar de nome e, mesmo nesse processo, as dificuldades são comuns por parte dos funcionários, segundo denúncias das organizações LGBTQIA+.

“Todos avançaram no reconhecimento da identidade de gênero e a Venezuela permaneceu estagnada na idade das trevas”, enfatiza Briceño.

Sofía Salomón, por exemplo, conta com a dupla nacionalidade venezuelana-colombiana. Seus documentos na Colômbia, ao contrário do que acontece na Venezuela, reconhecem sua identidade de gênero.

Grupos LGBTI+ também exigiram, sem sucesso, legislação sobre casamento igualitário ou famílias homoafetivas.

Nesse contexto, a modelo espera ser uma influência positiva. “Aconteça o que acontecer, vou continuar a ser uma mulher de sucesso. Sempre foi assim”.

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