Se a primeira concessão é de fato a mais grave de todas porque escancara a porta às demais, Sergio Moro caiu nessa armadilha ao permitir que fatiassem o seu pacote de medidas ditas anticrime e, mais recentemente, ao desconvidar a cientista política Ilona Szabó do cargo que lhe dera no CNPCP. Moro tirou Ilona a mando de Jair Bolsonaro que, por sua vez, cedeu às pressões daqueles que querem a população armada — ela é favorável ao desarmamento. O ex-magistrado, que mantém concordâncias metodológicas com Ilona, fez assim uma concessão arriscada a si mesmo e perigosa ao País como ministro da Justiça e da Segurança Pública. Deveria tê-la mantido, ainda que tal ato custasse a ele a exoneração. Até a sexta-feira 1º, permanecia em Brasília. Se quando o leitor estiver com esse artigo em mãos ele tiver saído, então é sinal de que Moro voltou a ser o Moro que nós conhecemos na condução da Lava Jato.

Essa não foi a primeira concessão, mostraremos outras, mas falemos antes de uma omissão, pecado mais grave que o da própria ação, no ensinamento de Antonio Vieira. Seguindo a vocação legiferante para o aplauso fácil de setores sociais (os mesmos que derrubaram Ilona), parlamentares tipificaram diversos crimes como hediondos, mas nunca o da corrupção — e muitos agem dessa forma por autopreservação. Esperava-se que Moro incluísse no pacote a corrupção como hediondo. Não o fez.

Voltemos agora às concessões, faça-se uma e se fará todas, escreveu Oscar Wilde. Pois bem, o ex-juiz anuiu com o fatiamento de seu pacote e apresentou à parte a criminalização do caixa dois na tentativa de conquistar apoio parlamentar. A resposta da Câmara foi a de condicionar a aprovação das medidas, ainda que beneficiada com o escanteamento do caixa dois, à votação do projeto que endurece a lei do abuso de autoridade, numa clara tentativa de intimidação de juízes e do Ministério Público.

Finalmente, Moro pediu a excludente de ilicitude a policiais que venham a matar em confrontos armados, se movidos por medo, surpresa ou violenta emoção. Ele agradou os apologistas da repressão letal (novamente os mesmos que crucificaram Ilona) e, involuntariamente, abriu a brecha para a volta da tese de defesa do chamado crime passional cometido sob “violenta emoção” (sobre isso, foram grandes os embates entre Evaristo de Moraes e o “príncipe do Ministério Público”, Roberto Lyra). O ministro Moro não pode se esquecer do ex-magistrado Moro, e o ex-magistrado Moro bem sabe disso. Que a magistratura seja a sua sombra, sombra da qual não se pode partir, como definiu Ovídio. E isso para o bem do País. Se Moro renunciar, sua integridade fará falta. Mas Bolsonaro talvez aprenda a respeitá-lo, em vez de ouvir despiciendas argumentações vindas de redes sociais.