No 60º aniversário do golpe militar de 1964, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou os atos oficiais em memória das vítimas do regime, na tentativa de distender o clima com as Forças Armadas, enquanto alguns altos oficiais estão na mira da justiça, suspeitos de participar de um plano golpista.

“Precisamos aproximar a sociedade brasileira e as Forças Armadas: não podem se tratar como se fossem inimigas”, disse o presidente Lula em uma entrevista no final de fevereiro.

Em 31 de março de 1964, os militares se insurgiram contra o então presidente João Goulart (1961-1964), e permaneceram no poder por 21 anos à frente de uma ditadura, admirada pelo ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022), um ex-capitão do Exército.

O aniversário parecia propício para Lula, um ex-sindicalista que liderou uma greve histórica contra o governo militar, lembrar das vítimas, entre as quais há 434 mortos ou desaparecidos, segundo as conclusões, em 2014, da Comissão Nacional da Verdade, um organismo oficial.

Diferentemente da vizinha, Argentina, que julgou os agentes do Estado acusados de cometer crimes durante a ditadura no país (1976-1983), no Brasil, este capítulo da História terminou com a Lei de Anistia, de 1979.

“Cálculo político”

Mas Lula, de 78 anos, afirmou que o golpe de 1964 “já faz parte da História” e seu governo não vai “ficar remoendo” esse assunto.

“Estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com o de 1964”, declarou.

Naquele dia, milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, pedindo que os militares depusessem Lula, uma semana depois de sua posse.

Paralelamente, o ex-presidente é investigado por supostamente participar de um “plano de golpe de Estado” para se manter no poder após sua derrota nas eleições de outubro de 2022.

São suspeitos de envolvimento na trama vários de seus aliados mais próximos, incluindo ministros e altos oficiais militares. O major Rafael Martins de Oliveira e o coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Neto foram detidos no âmbito da operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal.

“Nunca houve uma conjuntura tão propícia para se discutir o lugar das Forças Armadas na sociedade brasileira quanto o pós-governo Bolsonaro e o pós-8 de janeiro”, explica o historiador Lucas Pedretti.

Mas Lula fez “um cálculo político que coloca uma estratégia de acomodação com as Forças Armadas no primeiro plano, em detrimento e prejuízo das necessidades histórias da sociedade brasileira de rever seu passado”, diz em declarações à AFP este acadêmico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Protestos de associações de vítimas

A decisão de Lula levou ao cancelamento de atos preparados pelo governo, como os do Ministério dos Direitos Humanos. Seu titular, Silvio Almeida, pretendia lembrar os ativistas e perseguidos pelo regime militar em um discurso no Museu da República, em Brasília, segundo informações divulgadas pela imprensa.

E embora Lula tenha proibido no ano passado rememorar o golpe nos quartéis, como se fez durante o governo Bolsonaro (2019-2022), tampouco será feita nenhuma reflexão sobre o papel das Forças Armadas durante a ditadura ou na atualidade.

“Para nós, é História, não temos que estar remoendo as coisas”, diz uma fonte do Exército à AFP. “A ideia é a pacificação e olhar para a frente”.

Mas grupos de defesa dos direitos humanos exigem do presidente Lula reinstaurar a Comissão de Mortos e Desaparecidos, instalada em 1995 para investigar os crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, e suprimida por Bolsonaro em seu último ano de governo.

A Coalizão Brasil pela Memória, Verdade e Justiça, que reúne mais de 150 associações, criticou a decisão “equivocada” do presidente de não rememorar a data.

“Repudiar veementemente o golpe de 1964 é uma forma de reafirmar o compromisso de punir os golpes também do presente e eventuais tentativas futuras”, ressalta a organização em nota.

“Não aceitaremos que, mais uma vez, os governos negociem ou abdiquem dos direitos das vítimas para poder contemporizar com os militares. Não aceitaremos mais essa tutela cujo preço histórico quem tem pago são os familiares, todos os que foram atingidos por atos de exceção” da ditadura, acrescentam.