O novo álbum de Katy Perry, “Smile”, tem um título dúbio. Em português pode tanto significar “sorriso”, quanto ser usado no imperativo, “sorria”, expressão que utilizamos, por exemplo, quando vamos fotografar alguém. Pois é exatamente isso que Katy está precisando dizer ao se olhar no espelho: sorria, Katy. A americana de 35 anos é uma das mulheres mais bem sucedidas do cenário pop nos últimos anos. Acumula uma fortuna de mais de US$ 200 milhões, lançou hits globais e está prestes a dar à luz sua primeira filha, fruto do relacionamento com o ator Orlando Bloom. Apesar de todo esse sucesso, ela não vem sorrindo. Katy sofre de depressão e enfrenta uma montanha-russa de emoções, compartilhada com o público em entrevistas e redes sociais.

No texto de apresentação do álbum ela é explícita. “Comecei a trabalhar nessas músicas há dois anos, não com um objetivo formal em mente, mas como uma saída para expressar e criar o que minha alma queria dizer”, desabafa. “Quando escrevo uma canção empoderada, estou geralmente me sentindo ao contrário. Preciso lidar com minha depressão quando meu ‘eu superior’ tem de pegar a direção e escrever por mim.” A cantora revela ainda que foi difícil encontrar o sorriso que batiza o álbum. E faz referência à maternidade em plena pandemia. “Sei que o mundo inteiro está sentindo esse peso também. Mesmo agora, lembro das incertezas que o futuro traz para mim, minha família, meu bebê. Esse álbum é um pequeno retrato no qual posso apertar ‘play’ e ver que já sobrevivi a noites escuras e períodos difíceis.

E que posso superar tudo isso”. “Smile” é o quinto disco de Katy Perry. Apesar dos problemas, sua persona pública sempre esteve associada à imagem da pin up com sutiãs de cupcake, cuja vida é uma interminável celebração. A lista de sucessos e clipes coloridos como “Firework” e “California Gurls” começou em 2008, quando explodiu com “I Kissed a Girl”, single do álbum “One of the Boys”. Na letra polêmica, ela cantava que havia beijado uma garota — e gostado.

No terceiro álbum, “Teenage Dream”, Katy bateu recordes: foi a primeira mulher a emplacar cinco hits seguidos no primeiro lugar na parada da Billboard — antes dela, apenas Michael Jackson havia feito isso com “Bad”, em 1987.

Olhos lacrimejantes

Em 2010, no auge, ela se casou com o comediante Russel Brand em uma cerimônia na Índia. A separação, apenas 14 meses depois, foi o estopim para a depressão que a atormenta desde então. Em 2017, começou a namorar o ator Orlando Bloom, mas logo se separaram. Voltaram em 2019, quando ele a pediu em casamento.

Em março desse ano, Katy anunciou sua gravidez e se declarou ao marido na confessional “Never Worn White”: “Porque eu nunca usei branco/ Mas quero fazer tudo certo/ Sim, quero tentar muito / Com você”. Ao contrário dos artistas que separam a vida pessoal da profissional, Katy parece usar esses altos e baixos para se aproximar do público — e como estratégia de marketing, claro. A empatia gerada por toda essa situação é aprofundada no novo álbum: a vida da cantora não é um livro aberto, mas é um disco.

FINAL FELIZ Com o marido, o ator Orlando Bloom: declarações de amor (Crédito:Divulgação)

A sonoridade de “Smile” é animada, bem ao estilo tecnopop que a tornou conhecida. As letras, porém, são mais profundas que em trabalhos anteriores. Katy sempre foi famosa pelos versos superficiais, mas agora é diferente. Com o relacionamento e a depressão cada vez mais expostos, as letras escancaram a emoção.

Cantando melhor do que nunca, ela deixou de ser um ídolo pop para se tornar uma artista real. Talento nunca lhe faltou. Mas o novo repertório revela que, por trás das alegres batidas de dance music, ainda há uma mulher insegura. A referência ao choro está presente até no título de duas canções: “Teary Eyes” (Olhos lacrimejantes) e “Cry About it Later” (Chore sobre isso depois). Em “Teary Eyes”, inclusive, a confissão é literal. “Você já perdeu a luz em sua vida/ Você já saiu e se deixou para trás / Você já mentiu e respondeu que estava tudo bem / Porque posso ver que você perdeu a luz da sua vida”. A letra que melhor expressa o conceito do álbum, porém, é “Resilient”: “Eu sou resiliente / Nascida para ser brilhante / Você vai me ver crescer através das rachaduras / Essa flor vai crescer através das rachaduras”.

“Smile” e o nascimento da filha marcam uma nova fase na carreira de Katy Perry. Com a pandemia e a maternidade, ela já anunciou que não vai sair em turnê — pelo menos por enquanto. Apesar da vida pessoal e profissional estarem cada vez mais entrelaçadas, será bom para a cantora trocar os holofotes dos palcos pela luz fraquinha, acolhedora, do
abajour do quarto de bebê.