SÃO PAULO, 4 JUN (ANSA) – O portal “Metrópoles” divulgou nesta sexta-feira (4) um vídeo que mostra reuniões do presidente Jair Bolsonaro com o chamado “ministério paralelo”, o grupo de políticos, assessores e médicos que orientavam o mandatário na gestão da pandemia de Covid-19.

Os encontros foram filmados e mostram, entre os participantes, o deputado Osmar Terra – grande defensor da “imunidade de rebanho” e de medicamentos ineficazes contra a doença -, a imunologista Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanoto.

Nas imagens divulgadas pelo portal, que foram gravadas em setembro do ano passado, há a defesa explícita de Zanoto para “tomar cuidado” com as vacinas que estavam sendo desenvolvidas em todo o mundo e a descrença de que a hidroxicloroquina pode causar arritmias cardíacas – como consta na própria bula do medicamento.

Zanoto diz que não há como qualquer imunizante “estar realisticamente” na fase 3 de testes clínicos, sem apresentar nenhuma prova ou documento que embase a sua fala. “Com todo respeito, eu acho que a gente tem que ter vacina, ou talvez não”, chega a dizer.

“Então, nesse sentido, a gente precisaria, a minha sugestão é essa, até enviei uma mensagem ao Executivo, mandei a carta para o Weintraub, o Arthur, talvez fosse importante se montar um grupo e a gente aqui poderia ajudar. Não vou fazer parte desse grupo, porque eu não sou especialista em vacina, mas eu gostaria de ajudar o Executivo a montar um ‘shadow board’, como se fosse um ‘shadow gabinet’, esses indivíduos não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade”, ressalta Zanoto.

Desde o ano passado, Bolsonaro critica a vacinação – fato que ressalta no vídeo. Até hoje, o presidente não se vacinou contra a doença.

O termo “gabinete das sombras” foi usado por Renan Calheiros, relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado, por diversas vezes. Isso porque os senadores investigam quem estaria por trás das ações de Bolsonaro que, constantemente, fazia declarações públicas contra as vacinas anti-Covid.

Segundo o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, ele passava as informações para Bolsonaro, os assuntos ficavam acertados, e depois o mandatário mudava radicalmente de postura.

Já durante a gestão de Eduardo Pazuello, o Brasil ignorou dezenas de propostas de vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, que no Brasil produzia a vacina da Sinovac Biotech. Pazuello foi o ministro que gravou um vídeo falando que “um manda e outro obedece” ao lado do presidente.

Dos que aparecem no vídeo, a médica Nise Yamaguchi já deu seu depoimento à CPI, mas negou a existência de um “ministério paralelo”, dizendo que apenas “aconselhava” o presidente. No entanto, a CPI pediu um levantamento com as companhias aéreas de todos os voos da médica entre São Paulo e Brasília no período e quem pagou as despesas de viagens.

Pazuello também negou a existência de um aconselhamento fora do Ministério da Saúde, mas cada vez mais, aparecem documentos e vídeos que mostram que Bolsonaro seguia sim orientações contrárias aos posicionamentos oficiais.

Também nessa sexta-feira, o senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, usou sua conta no Twitter para afirmar que a investigação mostrou que o governo federal ignorou mais de 50 e-mails da Pfizer.

“Na investigação que estamos fazendo na CPI da Pandemia descobrimos que, na verdade, foram 53 e-mails da Pfizer que ficaram sem resposta. O último, datado de 2 de dezembro de 2020, é um e-mail desesperador da Pfizer pedindo algum tipo de informação porque eles queriam fornecer vacinas ao Brasil”, escreveu o senador.

Ainda conforme Rodrigues, “essa omissão na aquisição de vacinas da Pfizer acontecia ao mesmo tempo que o nosso Itamaraty pressionava a Índia para liberar cargas de hidroxocloroquina [sic] a uma empresa brasileira”.

“A atuação do Ministério das Relações Exteriores se assemelha, claramente, à advocacia administrativa, em outras palavras: LOBBY! É isso mesmo, o Governo Brasileiro fazendo Lobby para uma empresa. Isso é CRIME de acordo com o Artigo 321 do Código Penal!”, finalizou.

Durante seu depoimento na CPI, o ex-CEO da Pfizer no Brasil Carlos Murillo revelou que a primeira proposta da empresa para a venda de vacinas foi enviada ao governo federal em agosto de 2020 e que a farmacêutica não obteve respostas do governo para a compra.

O contrato em si foi apenas firmado em março de 2021. Ainda conforme Murillo, a ideia da companhia norte-americana era fazer do Brasil “uma vitrine” para sua vacina, já que o país tem uma reconhecida capacidade para fazer a imunização em massa. No entanto, a primeira dose aplicada da vacina Cominarty ocorreu no Reino Unido, em 8 de dezembro.

Atualmente, o ritmo de vacinação no país é bastante lento, com cerca de 10% da população tendo completado o ciclo de imunização. No entanto, a pandemia de Covid-19 continua a apresentar dados em alta, com país se aproximando dos 470 mil mortos e dos 17 milhões de casos. (ANSA).