03/10/2020 - 9:34
VENEZA, 3 OUT (ANSA) – Pela primeira vez na história, o centro histórico de Veneza ficou fisicamente separado do Mar Adriático durante uma “acqua alta”, fenômeno habitual na cidade, mas que vinha causando cada vez mais transtornos nos últimos anos.
Quase um ano depois das inundações que paralisaram a capital do Vêneto, o sistema Mose, construído ao custo de 5,5 bilhões de euros, entrou em ação para proteger as ruas e praças da cidade contra a água.
Com a previsão de uma maré de 135 centímetros, superior ao gatilho de 130 centímetros estipulado pelas autoridades, a rede de barreiras foi acionada por volta de 8h35 (horário local) deste sábado (3) e levou uma hora e 17 minutos para ser completamente levantada.
As comportas ficam nos três acessos da Lagoa de Veneza ao Adriático e conseguiram impedir que a alta na maré invadisse o centro histórico da cidade. Enquanto o nível da água no mar atingiu o pico de 129 centímetros, o índice na lagoa não passou de 73 centímetros.
“Foi emocionante e impressionante ver subirem as comportas do Mose”, disse à ANSA Elisa Fornari, moradora do distrito de Lido, onde ficam as praias de Veneza. A Praça San Marco, ponto mais alagável do centro histórico do município, permaneceu seca.
“A Basílica de San Marco está seca, seca. É a primeira vez, e isso é importantíssimo”, disse o primeiro-procurador da igreja símbolo de Veneza, Carlo Alberto Tesserin. “Com 90 centímetros de maré, já precisaríamos enfrentar a água que chega da praça, mas desta vez ela não chegou por causa do Mose”, acrescentou.
Inundações – O centro histórico da capital do Vêneto se distribui por ilhas situadas na Lagoa de Veneza, que sofre regularmente com a “acqua alta”. Mais comum entre o fim do outono e o início do inverno europeu, esse fenômeno ocorre quando o Mar Adriático sobe e invade a área lagunar, inundando a parte mais famosa da cidade.
A solução encontrada para combater o problema é o sistema Mose, acrônimo de Módulo Experimental Eletromecânico e que também remete ao personagem bíblico Moisés (Mosè, em italiano). O projeto foi iniciado em 2003, mas escândalos de corrupção adiaram o fim das obras para dezembro de 2021.
O sistema se baseia em uma rede de comportas móveis instaladas nos três acessos à Lagoa de Veneza e que serão acionadas sempre que a maré superar os 110 centímetros, evitando que o centro histórico fique debaixo d’água.
Contudo, devido às inundações excepcionais de novembro do ano passado, os governos de Veneza, do Vêneto e da Itália decidiram iniciar a operação do Mose em caráter emergencial já em 2020, nos casos de marés superiores a 130 centímetros.
Em entrevista à ANSA no fim de 2019, o engenheiro Alberto Scotti, que projetou o sistema há cerca de três décadas, garantiu que as barreiras são dimensionadas para resistir a inundações de até três metros. “Você não faz ideia do tanto de alternativas que estudei, de todos os tipos. Eu me convenci, de modo muito robusto, que não há outra opção”, afirmou.
A maior “acqua alta” já registrada na cidade teve 1,94 metro, em 1966, mas, em novembro passado, ocorreram quatro marés superiores a 1,4 metro, algo inédito para um único mês em toda a história de Veneza. A maior delas, no dia 12, teve 1,87 metro.
Críticas – A obra é alvo de críticas pelo alto custo, pelos escândalos de corrupção e pelos atrasos na entrega. Além disso, ambientalistas questionam sua eficácia, especialmente em um contexto de mudanças climáticas.
Dados do Instituto Superior para a Proteção e a Pesquisa Ambiental (Ispra), órgão ligado ao governo da Itália, apontam que o nível médio do mar em Veneza subiu 33 centímetros entre 1872 e 2016. Segundo Scotti, no entanto, o limite do Mose é uma elevação marítima em função do efeito estufa de 60 centímetros.
A partir desse patamar, as comportas teriam de ser acionadas de forma quase ininterrupta. Desde o início das obras, em 2003, o nível médio do mar cresceu pouco mais de nove centímetros, de acordo com o Ispra. (ANSA).