A mostra termina hoje, com a exibição de Dois Papas, bela ficção de Fernando Meirelles sobre o encontro entre Ratzinger e Bergoglio, o papa que sai, Bento XVI, e o papa que chega, Francisco. Mas, além desse humano diálogo entre eminências, ainda há tempo de conferir um dos títulos mais intrigantes da edição deste ano, Synonymes (Sinônimos), do israelense Nadav Lapid, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Sinônimos é um filme fora dos padrões habituais. Exige, portanto, uma espécie de atitude de busca por parte do espectador. O personagem é Yoav (Tom Mercier), jovem israelense que chega a Paris sem um tostão no bolso e, meio por acaso, acaba por conhecer um rapaz e uma moça (Quentin Dolmaire e Louise Chevillotte), ambos muito abonados, moradores de um imenso apartamento de 300 m² na capital francesa. Yoav nada tem de seu, e muito menos o idioma. Tenta aprender o francês por meio de um dicionário de sinônimos, surrupiado de uma livraria.

E aí então temos uma dessas particularidades da obra. Yoav torna-se fluente, mas de um francês livresco, aprendido no dicionário. É capaz de enunciar diversas palavras para designar o mesmo objeto, ideia ou sensação. No entanto, parece separado do mundo real por este mesmo muro de palavras quando tenta se comunicar com aqueles que falam o francês como língua materna. Uma das leituras possíveis de Sinônimos é a dificuldade da aculturação. Ou seja, quando pulamos da nossa própria cultura, aquela em que fomos criados desde a infância, para outra, que podemos conhecer apenas de maneira aproximada. Yoav dispõe de uma multiplicidade de termos similares, mas não a palavra exata para estabelecer o diálogo – o “mot juste”, como dizem os franceses.

Não se trata apenas de um tema intelectual. Trata-se da questão mais premente da dificuldade de se sentir parte de uma comunidade, de integrar-se, reconhecer-se nessa cultura e sentir-se reconhecido. Por isso, é particularmente hilariante (mas também constrangedora) a atitude exagerada de Yoav num desses cursos que a França fornece aos imigrantes para que compreendam não apenas o idioma, mas os valores do país.

E, claro, não se trata apenas do problema em adaptar-se e dissolver-se numa cultura nova. O caso é ainda mais sério, quando Yoav, para tal, dispõe-se a renegar a própria identidade cultural. Em entrevistas, Navad Lapid tem repetido que o personagem é francamente autobiográfico. Ele próprio, depois de servir o Exército em seu país natal, resolveu emigrar. Foi para a França, disposto a “tornar-se francês”. Comprou o tal dicionário que, em sua imaginação, lhe franquearia o caminho para o idioma. Em Paris, enfrentou as mesmas dificuldades – materiais e simbólicas – que seu personagem. Tentando, em vão, abrir portas, que é uma metáfora recorrente de Sinônimos. Portas que se fecham, portas que não consentem em ser abertas pelo forasteiro.

Em meio a tudo isso, surge a pergunta frequente daquele que sai de seu país para outro: o que fazer com a cultura de origem? Renegá-la? Integrá-la a essa nova cultura, que se recusa a ser assimilada? Daí a questão, nem sempre expressa de maneira explícita por Yoav: o que significa ser um israelense?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.