Ilustração: Gerson Nascimento

Foi muito mais que uma ducha de água fria. Foi um banho de água suja. Na segunda-feira 15, no que deveria ser um ato de apoio à candidatura de Fernando Haddad em Fortaleza, o ex-governador do Ceará Cid Gomes, eleito para o Senado pelo PDT, desancou o PT, dizendo que o partido “vai perder feio” a eleição por jamais ter sequer ensaiado uma autocrítica e por se comportar invariavelmente como “dono do Brasil”. Cid expôs as mágoas que tornaram impossível ao PT ampliar-se para, a essa altura, vir a ser uma opção forte o suficiente para se contrapor à avalanche desencadeada pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Ao buscar apoios, o projeto hegemônico que o PT sempre fez questão de construir viu ruir as possibilidades de qualquer adesão mais entusiasmada. O PT ficou só. O discurso de Cid Gomes soou como o réquiem da sua era. Nas palavras do poeta Augusto dos Anjos, foi “o enterro da sua última quimera”. A reação de Cid, que viralizou na internet, inspirou uma onda de críticas de políticos da esquerda aos petistas, inviabilizando o projeto do PT de regressar à Presidência da República com um preposto de Lula. “O PT não tem autoridade para cobrar posicionamento. Porque nunca na sua história aceitou apoiar alguém que não fosse do próprio partido. Eles só querem apoio. O desabafo de Cid é o sentimento majoritário no partido”, resumiu o presidente do PDT, Carlos Lupi, colocando fim às pretensões petistas de contar com o apoio dos pedetistas a Haddad.

DEDO NA FERIDA Sobre um palanque no Ceará, Cid Gomes cobra uma autocrítica do PT, que jamais veio e jamais virá (Crédito:Reprodução)
Reprodução

SUBORDINAÇÃO AO PARTIDO

Líder do PPS, o deputado Roberto Freire sabe bem como se dá essa relação. Há tempos, ele rompeu com o PT e com a forma como o partido tratava seus aliados. “O PT impõe a subordinação e classifica qualquer um que não concorda inteiramente com ele como se fosse de direita e traidor”, disse ele. “O que houve foi uma resposta nua e crua à forma como o PT trata seus aliados”. “No PT, não voto nunca mais”, resumiu a senadora Kátia Abreu (PDT-GO), candidata a vice de Ciro Gomes. A líder ruralista aproximou-se da ex-presidente Dilma, tornando-se sua ministra da Agricultura e amiga. Agora, declara que isso acabou. “Em vez de projeto eleitoral, eles preferiram um projeto de vingança”, disse ela. “Mais uma vez, o egoísmo imperou”. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, admitiu “verdades” nas declarações de Cid, embora diga que este não é o momento da esquerda se digladiar em discussões dessa natureza. No primeiro turno, o PSB não lançou candidato próprio à presidência para não atrapalhar o PT, já que a tendência de muitos dirigentes do partido era a de apoiar a candidatura de Ciro. Com isso, o PSB ganhou pontos junto a Lula, mas enfureceu a família Gomes.

No evento em que foi mais sincero do que o PT imaginava, Cid não se conteve e disse em alto e bom tom aos petistas que o partido deveria fazer uma autocrítica pelos erros cometidos. “Tem que fazer um mea-culpa, tem que pedir desculpa, ter humildade e reconhecer que fizeram muita besteira”. Irmão de Ciro, derrotado no primeiro turno, Cid lavou a alma da família. Inicialmente, ele nem pretendia ser tão duro. Cobrava a necessidade de que o PT admitisse seus erros. Seja no campo da economia, com a crise provocada pelos equívocos de Dilma Rousseff em seu segundo governo, seja principalmente no campo da corrupção, ao não só permitir que crimes fossem cometidos por altas autoridades do partido, como participar do assalto ao Estado. À certa altura, ao falar na necessidade dessa análise sobre os próprios atos, – o que o filósofo Eric Voegelin chamava de “descida ao inferno” do autoconhecimento — Cid começou a ser vaiado pelos petistas. Do alto do púlpito do evento, Cid se dirigiu a um dos militantes petistas que apontava os polegares para baixo em gesto de desaprovação.

O desabafo de Cid Gomes deixou o PT ainda mais isolado.
O enérgico discurso no Ceará soou como réquiem da sua era

“É assim? Pois tu vai (sic) perder a eleição!”, reagiu Cid. “É bem feito perder a eleição! Vão perder feio. Acharam que eram donos do País. O país não aceita dono! É um País democrático”. Quando militantes começaram a gritar o nome de Lula, preso por corrupção em Curitiba, Cid retrucou: “Lula tá preso, babaca!”. Com esse jeito pouco educado que marca o estilo dos Ferreira Gomes na política, Cid explicitou queixas que outros personagens não petistas da política também já vinham fazendo quando eram procurados por Haddad na frustrada busca pela formação de uma “frente democrática” contra Bolsonaro.

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O desabafo de Cid deixou o PT isolado. Com exceção de Guilherme Boulos, do PSOL, nenhum outro partido aceitou dar apoio à candidatura petista. Até o assessor espiritual de Lula, Frei Betto, ficou surpreso com a reação provocada pelo sincericídio. “A esquerda só se une na cadeia”. Bolsonaro, certamente, comemorou o bate-cabeça da esquerda. Novamente, o PT colhe o que plantou.

 


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