Reconhece o mercado em sua economia, mas deixa o casamento homossexual em suspenso: o Parlamento cubano se reúne, nesta sexta-feira (21), para aprovar o projeto de uma nova Constituição, emendado com contribuições da população.

Acostumados à unanimidade política por meio século, surgiram mais de 783 mil propostas de modificações ao texto inicialmente apresentado pela Assembleia Nacional e levado a debate em 133 mil reuniões de bairro e de centros operários.

Depois de ouvir quase 9 milhões de pessoas, os autores fizeram 760 mudanças no texto original, informou o secretário do Conselho de Estado e coordenador da comissão de redação, Homero Acosta.

Do total de 224 artigos propostos, foram alterados 134, e eliminados três.

É um fato inédito: os próprios cidadãos pressionaram a modificação de um projeto inicial santificado pelo Partido Comunista de Cuba (PCC, único) – sob o comando de Raúl Castro – e que havia sido redigido por uma comissão parlamentar liderada por Castro e por seu sucessor na presidência do país, Miguel Díaz-Canel.

O ministro da Economia, Alejandro Gil, destacou que Cuba trabalha em seu desenvolvimento econômico em um “complexo cenário”, marcado pela “intensificação do bloqueio (embargo) dos Estados Unidos”, que lhe custa diariamente “12 milhões de dólares”.

Gil detalhou que a economia cubana cresceu 1,2% em 2018, abaixo dos 2% previstos, devido, também, a uma lentidão das exportações, da indústria açucareira, do turismo e da agricultura. O crescimento estimado para 2019 é de 1%.

“Outra vez este desempenho contrasta com uma realidade que continua parecendo mais uma recessão”, disse o economista Pavel Vidal em um recente artigo divulgado pelas redes.

Gil também admitiu que Cuba não terá a capacidade para honrar todos os seus compromissos da dívida em 2019, devido a complicações econômicas internas, e que estabelecerá “um nível de prioridade”.

Cuba conseguiu renegociar com sucesso grande parte de sua dívida externa, principalmente com o clube de Paris. Atualmente, a União Europeia é seu maior parceiro comercial.

Como parte das reformas econômicas em curso, Cuba espera reconhecer em sua nova Constituição o papel do mercado, da propriedade privada e do investimento estrangeiro sem renunciar ao socialismo.

– O pomo da discórdia

O artigo mais polêmico foi o 68, que abria caminho para o casamento homossexual. Foi um dos mais debatidos, como admitiu a própria Assembleia Nacional.

A comissão redatora decidiu deixar de fora do rascunho o conceito de casamento como “união entre duas pessoas” que substituiria a expressão “união entre um homem e uma mulher”, em vigor na Carta Magna de 1976.

Depois de ouvir a população, a maioria contrária a essa mudança, estabeleceu-se o matrimônio como uma instituição social e jurídica, deixando-se os demais detalhes nas mãos do Código de Família. Além disso, em dois anos, um novo referendo deverá ser realizado.

A deputada Mariela Castro, filha de Raúl Castro e principal promotora da iniciativa em favor das minorias sexuais, disse que “não há retrocesso” nisso, porque o novo texto reconhecerá as uniões de facto.

“Não cedemos, nem cederemos às chantagens fundamentalistas e retrógradas que se opõem politicamente ao projeto emancipador da Revolução”, garantiu a também diretora do Centro Nacional de Educação Sexual.

Os principais oponentes à mudança foram as igrejas cristãs, cujos representantes haviam advertido que votariam contra todo projeto constitucional, se o conceito “original” de família fosse alterado.

– Mandato presidencial

Outro artigo que encontrou resistência é o que limita o mandato presidencial a dois períodos de cinco anos, em caso de reeleição, e uma idade máxima de 60 anos para iniciar o governo.

Fidel Castro foi presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de 1976 a 2008, e seu irmão Raúl, de 2008 a 2018. Foi este último que propôs o limite do mandato.

Um número significativo das opiniões coletadas quer permitir a reeleição, enquanto o candidato tiver apoio popular, sem limite de idade.

A eleição do governante se mantém como está, ou seja, eleito pelo Parlamento dentre seus pouco mais de 600 membros. Será criada a figura do primeiro-ministro.

Os deputados, que estudaram o novo projeto constitucional na quarta e na quinta-feiras, devem encontrar um texto consensual que depois será submetido a um referendo popular em 24 de fevereiro próximo.

– Economia e finanças

Como parte das reformas, Cuba espera reconhecer, neste texto, o papel do mercado, da propriedade privada e do investimento estrangeiro sem renunciar ao socialismo.

O debate é intenso, porém, quando se trata de temas como geração de riqueza e como esta deve ser definida, em um país que prega a bandeira da igualdade de oportunidades.

Os outros dois temas da agenda parlamentar são os resultados econômicos de 2018 e os planos para 2019. Já se antecipou que o crescimento do PIB de 2018 vai ficar ligeiramente acima de 1%, mesmo prognóstico que para o próximo ano.

“Mais uma vez este desempenho contrasta com uma realidade que continua parecendo mais com uma recessão”, disse o economista Pavel Vidal em um recente artigo divulgado on-line.

“Díaz-Canel, até o momento, se mantém no caminho das transformações graduais que não tocam a coluna vertebral do sistema centralizado e do monopólio da empresa estatal”, afirma.

A reunião parlamentar acontece em um contexto difícil: escassez de farinha e ovos, piora do transporte urbano e aumento do custo de vida.