Shutdown nos Estados Unidos: o que acontece e quem é afetado por paralisação?

Sem acordo no Congresso em torno do orçamento, governo americano paralisou suas atividades, com impactos em serviços não essenciais e no emprego de mais de 700 mil funcionários públicos.

Shutdown nos Estados Unidos: o que acontece e quem é afetado por paralisação?

O governo dos Estados Unidos paralisou suas operações após a meia-noite desta quarta-feira (01/10), em meio a um tenso impasse orçamentário entre o presidente Donald Trump e os democratas no Congresso. Como não foi aprovada uma medida de financiamento para manter as atividades, serviços federais serão interrompidos, afetando a vida de milhões de pessoas e o emprego de centenas de milhares de funcionários públicos federais.

Os dois partidos tinham até às 23h59 (hora local) de 30 de setembro, quando o ano fiscal terminou, para aprovar os fundos que permitiriam às agências do governo continuar operando plenamente. Os republicanos só conseguiram obter dois dos sete votos democratas de que precisavam no Senado para aprovar um pacote de financiamento provisório que teria mantido o governo totalmente operacional por mais sete semanas. Dessa maneira, ambos os partidos teriam mais prazo para negociar o orçamento completo para o próximo ano fiscal.

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Por sua vez, os democratas também não conseguiram os 13 apoios necessários para sua proposta orçamentária, que destina mais verbas para a saúde e que, assim como o projeto de lei republicano apresentado por Trump, foi rejeitada no Senado.

A última e maior paralisação federal aconteceu entre 2018 e 2019, durante o primeiro mandato de Trump, quando setores do governo ficaram fechados por 35 dias. Na época, o impasse entre democratas e governo foi em torno da exigência do presidente de financiar um muro na fronteira com o México.

Desta vez, a oposição exige que Trump prorrogue subsídios de saúde que vão expirar no fim do ano e restaure os cortes recentes feitos no Medicaid, o programa americano de assistência à saúde.

O que deve acontecer?

Esta é a 15ª paralisação do governo desde 1981. Não está claro quanto tempo ela deve durar e a abrangência de seus impactos. Funcionários são orientados a não comparecer ao trabalho, exceto aqueles que prestam serviços essenciais, como controle de tráfego aéreo e aplicação da lei.

A gestão Trump aumentou a pressão desta vez: orientou as agências a considerarem a demissão de funcionários, em vez da prática usual de reter seus salários até que os legisladores cheguem a um acordo. Estima-se que 750 mil servidores federais podem sofrer com os impactos do impasse – aqueles considerados essenciais devem continuar trabalhando.

A necessidade de evitar uma paralisação “atingiu um novo nível de urgência”, informou a Federação Americana de Funcionários Públicos (AFGE), instando os legisladores a se reunirem e chegarem a um acordo, evitando usar os servidores como “moeda de troca”.

O apagão também deve interromper a divulgação de dados econômicos que balizam decisões políticas e avaliações sobre as perspectivas econômicas. O relatório sobre emprego, um dos indicadores econômicos mais aguardados, seria divulgado nesta sexta (05/10), o que não deve acontecer.

O que é um shutdown?

O governo paralisa suas operações quando não há um acordo sobre o orçamento do ano, de forma parcial ou total. A situação envolve as despesas discricionárias – gastos não obrigatórios que o governo precisa aprovar anualmente, como investimentos em infraestrutura e cultura.

Sem orçamento aprovado, o governo federal deixa de pagar os funcionários federais e contratados que trabalham para o governo. Cada paralisação é diferente e afeta setores do governo de forma específica.

Nos casos de paralisação parcial, apenas uma parte do orçamento é autorizada, mantendo a liberação de recursos para agências federais, que continuaram seus trabalhos normalmente. Em paralisações amplas, como a atual, nenhum orçamento é aprovado. Nessas situações, todas as agências e programas não essenciais do governo dos EUA fecham, pois dependem do financiamento anual do governo.

Algumas agências federais têm planos de contingência claros e estabelecem prioridades bem definidas; outras não. Algumas também têm reservas de dinheiro que podem ajudá-las a superar um curto período de apagão.

Em todo caso, serviços essenciais e programas de gastos obrigatórios não param. Isso significa que o Serviço Secreto, os militares na ativa e a maioria dos agentes de proteção de fronteiras, agentes federais e controladores de tráfego aéreo continuam trabalhando.

Enquanto os gastos discricionários são discutidos a cada ano, os gastos obrigatórios são aprovados por períodos mais longos ou são permanentes. Portanto, pagamentos como os da Previdência Social, Medicare e Medicaid continuarão a ser feitos, assim como os benefícios de saúde dos veteranos militares. A entrega de correspondência e o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não são afetados porque são financiados de maneira diferente.

Quem é afetado?

Os funcionários federais são os primeiros a sentir o impacto de uma paralisação do governo. Os últimos apagões, em 2013 e 2018, implicaram na dispensa temporária de cerca de 850 mil dos 2,1 milhões de funcionários federais não vinculados ao serviço postal, de acordo com o Comitê para um Orçamento Federal Responsável, um grupo apartidário com sede em Washington, dedicado à análise da política fiscal.

Os servidores afastados não podem trabalhar e não recebem seus salários durante esse período. Mas eles têm garantia de pagamento retroativo quando o governo voltar a funcionar. Os funcionários que trabalham em serviços essenciais devem continuar trabalhando, mas também não são pagos durante uma paralisação. Funcionários federais que foram confirmados pelo Senado não podem ser afastados. Já o presidente e os membros do Congresso continuam trabalhando e recebendo seus salários.

A Agência de Proteção Ambiental, a Administração de Alimentos e Medicamentos, a Comissão Federal de Comércio e a Comissão de Valores Mobiliários estão entre os departamentos mais propensos a fechar as portas durante uma paralisação do governo.

Em paralisações anteriores, alguns órgãos, como o Departamento de Defesa, o Departamento de Estado ou a Receita Federal, pediram aos funcionários afastados que continuassem trabalhando para manter as atividades funcionando normalmente — novamente sem receber salário até que um projeto de lei de gastos fosse finalmente aprovado.

Outros impactos

Dependendo do tempo que permanecerem fechados, o trabalho em parques e museus se acumula, e milhões de dólares deixam de ser ganhos com a venda de bilhetes. As inspeções de saúde e segurança de rotina serão colocadas em segundo plano.

Relatórios governamentais importantes sobre economia, como o Índice de Preços ao Consumidor ou os números mensais de emprego, não serão publicados a tempo.

Outras agências ou programas, como a Nasa ou a Biblioteca do Congresso, também são considerados não essenciais e interrompem suas operações, parcial ou totalmente, durante uma paralisação do governo.

Parques nacionais, monumentos nacionais e museus, como o Smithsonian, também podem fechar, mas o governo Trump pode forçá-los a permanecer abertos com uma equipe reduzida. Mas quanto mais tempo durar a paralisação, mais provável que eles também fechem.

Para os funcionários federais, uma paralisação do governo pode significar dificuldades financeiras temporárias e ressentimento.

Para aumentar a incerteza geral, o governo deu a entender que poderia usar essa paralisação como desculpa para mais demissões em massa. O Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca enviou uma carta às agências federais sugerindo que elas poderiam “aproveitar essa oportunidade para considerar a redução da força de trabalho”.

Quanto tempo dura?

O Comitê para um Orçamento Federal Responsável contabiliza quatro paralisações que afetaram as operações do governo por mais de um dia útil.

“Uma paralisação de alguns dias é um incômodo – e mina a confiança do público na capacidade dos políticos dos EUA de cuidar dos assuntos do povo –, mas é improvável que tenha um impacto significativo na economia”, escreveu David Wessel, da instituição sem fins lucrativos Brookings Institution, no ano passado. “Uma paralisação prolongada, no entanto, pode causar problemas maiores, embora a maioria seja temporária.”

O Escritório de Orçamento do Congresso concorda que a maioria dos impactos econômicos das paralisações governamentais são temporários. Mas calculou que a paralisação de 2018-2019 levou a uma redução de 3 bilhões de dólares (R$ 16 bilhões) no Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O shutdown, se prolongado, também tem o potencial de desacelerar o tráfego aéreo e suspender pesquisas científicas. Paralisações têm ainda um efeito econômico e financeiro, ao interromper os investimentos de longo prazo necessários, com impactos na produção do país.