01/05/2019 - 7:00
Beth Carvalho morreu com uma vontade, talvez uma das únicas que não conseguiu realizar. Ela queria girar pelo Brasil cantando os sambas que se faz nos quatro cantos, desses que pouca gente conhece. Sairia dos clichês e iria aos recantos mais distantes, mas passando também por Rio e São Paulo. Seu disco teria gravações feitas com maranhenses, paraenses, gaúchos. Beth já sentia dores na entrevista ao Estado quando ouviu do repórter sobre um primo do samba que o Brasil não conhecia, existente lá pelas comunidades quilombolas do Amapá. “Você pode me mandar os contatos dessas pessoas? Queria muito falar com elas.”
Beth nunca falou em tom de lamento, nem gostava de abordar o assunto doença nas entrevistas. Ela tinha planos, como sua agenda provou até a última semana, com shows marcados. Seu próximo aniversário, de 73 anos, seria no domingo, 5 de maio. Não deu tempo. O velório será amanhã, entre 10h e 16h, no clube Botafogo de Futebol e Regatas, honrando o time de seu coração.
No meio dos bambas. “Quem levou Beth Carvalho à quadra da escola Cacique de Ramos foi o Alcir Portela, que era jogador naquela época. Ela se apaixonou pelo samba tocado embaixo da tamarineira. Gostou tanto que resolveu gravar com a gente em estúdio, no formato da nossa roda de samba”, contou, em seu site, o cantor, compositor e percussionista Bira Presidente, integrante do Fundo de Quintal.
Beth não renegava o posto de madrinha, da grande matriarca, mas preferia não ter essa função. Gostaria que os talentos tivessem outros tipos de incentivo e oportunidades para se expor. “Não é meu papel, mas sou assim, gosto de mostrar o que há de bom”, disse, certa vez, em entrevista ao Estado.
Mangueirense de coração, foi homenageada por outras escolas de samba: tema de enredo da Escola de Samba Unidos do Cabuçu, ‘Beth Carvalho, a enamorada do samba’, em 1984, e recebeu da Velha Guarda da Portela uma placa comemorativa por ela ter sido a cantora que mais gravou seus compositores.
Em 2009, no Grammy Latino, ganhou o prêmio Lifetime Achievement, em celebração à sua carreira. No mesmo ano, precisou fazer uma pausa por causa de uma fissura na região sacra, no final da coluna, que a obrigou a ficar em repouso total.
Voltou aos palcos no dia 19 de fevereiro de 2011, no show de encerramento do evento Sesc Rio Noites Cariocas. Poucos meses depois, em abril, a cantora se apresentou em São Paulo e, na ocasião, disse ao Estado que havia se surpreendido consigo mesma após passar um ano e meio convalescendo em cima de uma cama. “Tive paciência de Jó. Contei com o apoio dos amigos e da família. Toda hora tinha pagode em casa”, contou ela, à época.
Apesar de a cantora se manter na estrada, suas condições físicas foram piorando. Em 2018, fez apresentações deitada. Por causa das dores, não conseguia ficar sentada. E emocionou as plateias. No final do ano passado, foi morar com a filha, a cantora e compositora Luana Carvalho, fruto de seu relacionamento com o jogador Édson de Souza Barbosa, mais conhecido como Édson Cegonha.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, na época do lançamento de seu trabalho de estreia, o disco duplo Sul e Branco, em 2017, Luana não negou que seu maior desafio talvez estivesse relacionado ao fato de ser filha de Beth Carvalho. Ter como mãe uma grande intérprete como ela lhe deu menos direito ao anonimato, tampouco licença para se lançar crua na carreira musical. “Para eu aparecer com as minhas canções, sendo filha de uma pessoa que já tem um trabalho muito conhecido, talvez o mais delicado seja o quanto você precisa chegar com um senso estético já bem bem apurado, com uma proposta um pouco mais concreta, mas afinal são muitas vantagens também”, disse Luana.
Beth Carvalho estava internada desde o dia 8 de janeiro, no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, no Rio, onde recebeu amigos para uma animada roda de samba. Ela tinha mais de 50 anos de carreira e uma discografia de 33 discos e 4 DVDs – e muitos prêmios, homenagens e troféus conquistados ao longo de toda uma vida dedicada ao samba.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.