Morreu um dos maiores pacifistas da humanidade, mais velho que o país no qual vivia e que tentou pacificar: Shimon Peres estava com 93 anos ao falecer na terça-feira passada em Tel-Aviv, vítima de acidente vascular cerebral. Israel tem somente 68 anos de existência. O cotejamento das idades de Shimon Peres e de Israel tem de ser feito devido à relevância histórica, ou, se preferirmos, ao destino que uniu um ao outro – e ambos ao mundo. Quem foi Peres e qual o sentido de sua vida para Israel, país que ajudou a formar em 1947 e no qual, décadas depois, ocuparia diversos ministérios, tornar-se-ia duas vezes premiê e seria presidente entre 2007 e 2014, sempre pelo Partido Trabalhista? (conservador, opunha-se ao partido de extrema-direita Likud). O que ele significa historicamente? Pois bem, Perez foi um político que falou sobre a paz e lutou pela paz, mas não como estratégia de poder. Falou e a promoveu, isso sim, porque nela acreditava. Duas de suas falas marcarão para sempre as nossas almas na construção da pacificação, sobretudo no conflagrado Oriente Médio, cindido entre israelenses e palestinos: “Você não faz a paz com seu amigo, você a faz com seu inimigo”; “deveríamos usar mais a nossa imaginação do que a nossa memória” (pode-se dizer que, com essa frase, ele criou um mandamento do perdão).

Vale argumentar que a espécie humana produziu outras personalidades que batalharam pela paz e que serão, como Peres, eternamente lembradas, a exemplo de Mahatma Gandhi. Mas eles se distanciavam no método: Gandhi se imolava com jejuns, era um lutador silencioso. Peres, se preciso fosse, na defesa da convivência democrática partia para o confronto no campo das ideias, e assim tentou resolver, pelo lado dos israelenses, o sentimento sionista que gera a guerra; pelo lado dos palestinos, que foram muitas vezes manipulados por mal-intencionados mandatários do bloco comunista, Perez os fazia perceber que não passavam de “inocentes úteis” ao promoverem o terrorismo. Quando Israel ocupou territórios palestinos na “Guerra dos Seis Dias” (1967), o próprio Peres defendeu a instalação de assentamentos, crendo, feito um visionário pragmático, que da convivência entre dois povos nasceria a conciliação de dois Estados. Errou. E corrigiu a rota de atuação.

Momentos históricos

1947 – Aos 24 anos, participa ativamente da formação de Israel

1948 – Entra para a política, aos 25 anos, pelas mãos do líder israelense David Ben Gurion

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1994 – Recebe o Nobel da Paz, juntamente com Yasser Arafat (à esq.) e Yitzhak Rabin, pelo acordo de Oslo

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1995 – Assume como primeiro-ministro de Israel após a morte de Yitzhak Rabin

2007 – Os israelenses o elegem presidente do país

Otimismo como missão

No início da década de 1990, o polonês Shimon Peres, último fundador de Israel que ainda vivia (portanto, como já se afirmou, mais velho que seu país), conseguiu vencer as resistências do ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin e do presidente da Autoridade Nacional Palestina Yasser Arafat. E operou um milagre: aproximou os dois inimigos e costurou o Acordo de Oslo, tratado que mais se aproximou da pacificação e que os levou ao Prêmio Nobel da Paz em 1994. A cena da premiação é uma da mais edificantes da jornada humana – e, nessa época, uma globalização sem guerras já frequentava os seus ideais. Antes, muito antes disso, ainda nos idos de 1947 e 1948 quando Israel foi formado com a divisão do chão palestino, Peres conheceu o ministro das Relações Exteriores do Brasil Oswaldo Aranha, que teve na ONU participação decisiva no surgimento do novo país. A história registra que Aranha previa um futuro de guerras, mas já aí Peres acreditava na chance da convivência. Ela não ocorreu, mas isso em nada enfraquece o seu legado pacifista ao mundo atual. Como ele próprio dizia, “otimistas e pessimistas morrem do mesmo jeito, mas vivem de maneira muito diferente”. Não é difícil saber quem vive melhor, e não é sem razão que o governo israelense deu a Peres “o maior funeral de Estado já realizado no país”.

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