27/05/2018 - 7:10
Na última terça-feira, diversas publicações europeias dedicadas à música clássica correram às redes sociais para comemorar um feito histórico: o compositor russo Dmitri Shostakovich havia se tornado o mais ouvido e baixado nos principais serviços de streaming de música, desbancando artistas como Ed Sheeran e Taylor Swift. Não era exatamente mentira – mas a conquista provavelmente tinha menos a ver com o compositor russo e mais com um intérprete específico: o violoncelista britânico Sheku Kanneh-Mason que, dias antes, foi revelado ao mundo durante a cerimônia de casamento do príncipe Harry e da atriz Meghan Markle.
Não foi, de qualquer forma, um feito pequeno. Nem o único. Ao longo da última semana, além de ser o artista mais vendido pela Amazon nos EUA e na Inglaterra e liderar a parada do iTunes nos dois países, ele bateu recordes de vendas dentro do universo da música clássica, ganhou quase meio milhão de novos seguidores em seus canais em redes sociais – e tornou-se garoto-propaganda da marca das meias coloridas usadas por ele na cerimônia. Isso sem falar nos potenciais contratos para apresentações e gravações – basta lembrar que, após cantar no casamento do príncipe Charles com Lady Diana, em 1981, a soprano Kiri Te Kanawa se tornaria um fenômeno de vendas, com quase 40 discos lançados em menos de dez anos.
Sheku foi de fato a sensação de uma programação musical “clássica” que teve também a soprano Elin Manahan Thomas (e talvez não seja real ou monárquico o suficiente chamar atenção para os problemas de afinação de sua performance). O repertório do violoncelista foi composto por versões da Sicilienne, de Maria Theresia von Paradis; da Ave Maria, de Schubert; e da canção Après Un Rêve, de Fauré.
A escolha de uma compositora não deixa de ser um tipo de afirmação política de Sheku. Mas mais de um crítico chamou atenção para a ironia de uma canção como a de Fauré, que define o amor como algo impossível de se concretizar fora do mundo irreal dos sonhos, ter sido escolhida como trilha sonora para um casamento (se bem que uma das favoritas dos noivos e noivas mundo afora é a ária Nessun Dorma, da Turandot, de Puccini, ópera sobre uma princesa que, para evitar o casamento, manda cortar a cabeça de seus pretendentes, vai entender…).
Sheku tem apenas 19 anos e ainda não completou a sua formação. “Foi uma semana muito louca, com o casamento real e logo em seguida as provas finais na escola”, disse em seu twitter, referindo-se às avaliações da Royal Academy de Londres. Mas não é exatamente um rosto desconhecido no mundo musical britânico. Em 2016, participou junto com os irmãos, todos músicos, do reality show Britain’s Got Talent. Em seguida, foi escolhido pela BBC como jovem músico do ano, além de ser tema de um documentário no qual falava sobre sua atuação no projeto Chineke! Orchestra, grupo composto por músicos de minorias étnicas. “É um projeto muito importante. Se você é um jovem negro indo a um concerto, você não costuma ver pessoas como você no palco”, disse ele na ocasião ao jornal The Guardian.
Seu interesse pela música, alimentado em casa, começou com o piano. Seguiu-se um período com o violino, mas ele logo se apaixonaria pelo violoncelo ao assistir a uma orquestra sinfônica ao vivo e ouvir o som mais grave do instrumento. Quando conheceu, pouco depois, as gravações de Jacqueline du Pré, teve certeza de que havia encontrado seu caminho. “Desde muito pequeno, ela tornou-se um modelo, uma inspiração”, disse em uma das dezenas de entrevistas que concedeu nos últimos dias.
Nelas, falou também de seu futuro (e do desejo de vir ao Brasil). Está muito feliz com a notoriedade de seu primeiro disco. E ter conhecido de perto gente como David Beckham, Elton John e George Clooney foi incrível. “Mas o que tenho pela frente agora é muito estudo e treino”. E uma carreira todinha à sua espera.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.