A pandemia do coronavírus obrigou o mundo a se recolher, a não ter alternativas e passar um longo tempo em isolamento social, o que ainda se faz presente. As pessoas passaram a necessitar de um novo olhar para si e para os outros. Com o excesso de tempo entre quatro paredes, a internet se mostrou uma boa companheira, possibilitando a descoberta de artistas promissores, não só aqui do País, mas ao redor do mundo. Entre as mais variadas atrações das redes sociais, eis que surge um jovem fotógrafo da Nigéria postando suas produções. Ele é Shaka Ehimen, de 22 anos, e aceitou responder a algumas questões, via Instagram, ao Estadão, contando um pouco sobre sua história e destacando alguns trabalhos que causam certo impacto no público.

Shaka, como assina seus trabalhos e gosta de ser tratado, chama a atenção nas redes ao expor não apenas as fotos que tira, mas por mostrar como chegou àquele registro. Ele faz imagens de pessoas ou situações que encontra nos arredores de onde vive na Nigéria: pequenas vilas, que ele visita e se inspira para retratar. Mas ele afirma que sua intenção é a de produzir “fotos basicamente inspiradas pelos eventos e acontecimentos em todo o mundo”. E é o que se pode constatar nas imagens que ele divulga. Mais que meros registros, o fotógrafo consegue tirar de seus personagens sentimentos mais profundos, transformando esses retratos em quadros de uma realidade próxima a ele.

Em cada fotografia, conta Shaka, ele procura abordar assuntos diferentes e relevantes, como a violência contra a mulher ou o problema mundial com a questão dos refugiados. Como ele afirma, algumas carregam um pouco dele e sua trajetória, mas, em geral, a ideia é refletir sobre o que se passa em seu país e no mundo. “Minhas fotos são basicamente inspiradas pelos eventos e acontecimentos em todo o mundo”, afirma o nigeriano. “Tiro fotos com temas políticos e sociais, pois acredito que há muitos problemas na sociedade atual que precisam ser resolvidos”, continua o jovem. Como ele enfatiza, “se as pessoas não derem atenção a um garoto da África, com certeza entenderão a mensagem das minhas fotos, porque elas não passam apenas uma mensagem, mas envolvem arte”.

Shaka nasceu no Estado de Edo, em 21 de outubro de 1998, mas cresceu em Lagos e, atualmente, estuda arquitetura na Ambrose Alli University, em Ekpoma, na Nigéria. Sua afinidade com a fotografia veio há pouco tempo.

“Comecei a tirar fotos em fevereiro de 2020, fui iniciado na arte por um amigo que fazia seus registros com seu iPhone”, revela. Para ele, sua entrada nessa área se deu, “principalmente, porque considero a fotografia o recurso perfeito para narrar uma história”. Entre um trabalho e outro, Shaka, que conta ser grande fã de poesia, afirma que sempre tira “um tempo às vezes para escrever um poema ou uma história”. E esse lado literário, ressalta, é colocado também em sua rede, o que pode ser conferido junto a suas obras.

Marca. Esse lado sensível do jovem se reflete em sua obra e se tornou uma marca pessoal, a qual pode vir a colocá-lo em ponto de destaque na fotografia. Em sua página no Instagram, o que se vê é não apenas o resultado final, mas também, e não menos interessante, o processo que ele utilizou para chegar ao produto final. Quem vê a foto pronta certamente se admira ao observar o making of da cena, pois Shaka consegue extrair de algo que poderia ser uma imagem corriqueira, com pessoas juntas ou uma flor solta na terra ou ainda um martelo acertando o prego, e transformar isso em uma obra de arte. Seu segredo é destacar dessa cena comum o que ele vê e que está por trás dela. “Eu me sinto em paz quando extraio detalhes para essas fotos”, conta o fotógrafo.

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Entre as imagens coloridas e outras em preto e branco, ele inclui sempre um texto explicando o sentido. Na foto intitulada Identidade, por exemplo, Shaka destaca a importância de o ser humano aceitar suas diferenças, saber que todos precisam de seu lugar no mundo, com respeito. A imagem traz somente o rosto de um homem albino rodeado por mãos negras. Antes de mostrar o resultado, o fotógrafo postou também um vídeo mostrando como chegou a essa cena. De algo simples, surge uma obra poética e forte. “Acho que somos quem somos por vários motivos”, afirma o artista na descrição da imagem. “E talvez nunca conheçamos a maioria deles, mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher de onde viemos, ainda podemos escolher para onde iremos a partir daí. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar nos sentir bem com eles”, completa.

Outra foto impactante, entre outras, é a que Shaka chamou de Silenciada. Nela, se vê a face de uma jovem, com lágrimas escorrendo pelo rosto e mãos cobrindo sua boca. Dessa forma, o fotógrafo se propôs a ressaltar a questão da violência contra a mulher. “Assuntos como abuso sexual contra mulheres é algo que sempre quis discutir publicamente a respeito”, conta Shaka. Segundo ele, esse interesse pelo tema surgiu por ele conviver com muitas mulheres. “Tenho irmãs e amigas na minha vida e sinto necessidade de protegê-las de todas as maneiras que puder”, conta o fotógrafo, que reflete sobre o tema. Ele coloca em imagem o que constata em suas observações. Neste caso, afirma que “o abuso sexual se tornou algo que hoje ocorre quase todos os dias. E acho que pouca coisa tem sido feita com relação a isso”.

Em Sleaze, vemos um homem usando um gorro, que desce até os olhos, e uma nota de dinheiro cobrindo sua boca. Essa foi a forma que Shaka escolheu para tratar de um tema que se faz inerente ao ser humano e que não se tem conseguido eliminar. Ele conta que, com essa imagem, “aborda a corrupção e a lavagem de dinheiro no meu país, a Nigéria”. Já em Sinergia, a ideia foi mostrar que “várias cabeças pensam melhor que uma sozinha”. Segundo o fotógrafo, sua intenção foi refletir sobre trabalhar em grupos e como isso pode resultar em decisões mais corretas do que quando se está decidindo algo sozinho.

Crítico, Shaka insere temas variados, sempre com uma análise pessoal da vida em sociedade. É o que se vê na foto intitulada Perigo. Nela, aparece um rapaz fumando e jogando uma grande quantia de fumaça no ar. Sem querer partir para julgamentos, o fotógrafo afirma que a intenção foi questionar esse vício, que ele afirma ser um comportamento que vai contra a natureza. E questiona: “Por que colocar seu próprio corpo em perigo? O vaso de sua própria alma?”. Em suma, Shaka diz que se vê como um naturalista e, “de algum modo, também um contador de histórias”.

Mesmo com pouco tempo atrás de uma máquina fotográfica, o talento de Shaka já começa a ganhar reconhecimento. “Eu ganhei o concurso de fotografia da Nigéria em 2020 e também cheguei às semifinais do Prêmio Fotografia para a Humanidade, que é patrocinado pelas Nações Unidas, também no ano passado”, comemora. Para ele, “esses prêmios significam muito, pois não apenas aumentaram minha credibilidade, mas também me motivaram a fazer mais”, conta o rapaz. “Eles são definitivamente uma das maiores conquistas da minha vida até agora”, diz.

Shaka Ehimen finaliza a entrevista com a seguinte colocação, um pensamento que o motiva diariamente: “Lembre-se, vale a pena tirar uma foto de tudo”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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