11/01/2019 - 9:00
O monge Grigóri Iefímovitch Raspútin (1869-1916) é uma das personagens mais populares da história russa. Até os anos 1990, figurava como a encarnação do mal. Tanto ideólogos soviéticos como saudosistas monárquicos afirmavam que ele se valeu da astúcia do camponês siberiano para privar da intimidade do tsar Nicolau II e da tsarina Alexandra depois de lhes prometer de que salvaria seu filho, o herdeiro da coroa Alexei, que era hemofílico. Com isso, teria arrastado o país ao abismo. Com o colapso da União Soviética, em 1991, o vilão tornou-se divindade. Nesse ano, o grupo dissidente Igreja das Catacumbas o declarou santo. Uma comissão sinodal cogitou em santificá-lo, até que. em 2004, o metropolita Juvenali afirmou que pesavam dúvidas sobre suas ligações com seitas místicas e sua conduta moral.
O historiador americano Douglas Smith se viu confuso diante do que chama de “pêndulo da transvaloração russa”, que converte vilões em santos e vice-versa, de acordo com o regime no poder. “Nenhuma dessas imagens é convincente”, diz. “Quem era mesmo Raspútin?”. Levou uma década pesquisando cartas, diários e arquivos estatais para responder à pergunta e desbastar as múltiplas camadas de rumores que formaram a lenda do “santo louco”. O resultado está nas 886 páginas da biografia “Raspútin: Fé, Poder e o Declínio dos Románov” (Companhia das Letras).
Com o objetivo de traçar um perfil menos inexato, Smith revisou os produtos que versaram sobre o tema: peças, filmes, canções e dezenas de biografias. O manto e a barba medievais de Raspútin causaram impacto quando ele foi introduzido na moderna corte de Nicolau, em 1905. Sua estatura era mediana; tinha pouco mais de 1,70 metro de altura e não o 1,93 metro informado no Google. Diferentemente da lenda, seu pênis não media 35 centímetros, mas 21 centímetros menos, segundo Smith. Seduzia pela voz suave, os olhos cinzentos e o dom da dança: requebrava ao som do maxixe brasileiro, do one-step americano e de danças ciganas. Assim conquistou uma pletora de mulheres nobres que o seguiam e lhe pagavam as despesas. Não consta que tenha pedido dinheiro ao tsar.
Mito e paranoia
No último ano de vida, promovia festanças movidas a vinho e discos de gramofone em seu apartamento na capital. O telefone não parava de tocar com pedidos de mulheres. Contava com seguranças e carros do tsar. Dizia-se pecador, o que não o impedia de serenar a tsarina e dar conselhos políticos ao tsar. Tornou-se indispensável no palácio porque, em diversas ocasiões, conteve hemorragias de Alexei. Dizia que a monarquia só se manteria enquanto vivesse. Como resultado, despertou o ódio na nobreza. Ela acreditava que Raspútin governava a Rússia. Por inveja, o príncipe e cross dresser (vestia-se de mulher) Félix Iússupov atraiu Raspútin à adega de seu palácio sob o pretexto de uma festa em companhia de sua linda noiva, Irina. Foi morto a tiros na cabeça, e não por hipotermia ao ser jogado no rio Neva, como afirmam alguns biógrafos. Um ano depois, a família imperial era executada e a Rússia, tomada pelos soviéticos.
Smith descobriu um personagem diferente de tudo o que se produziu sobre ele nos 100 anos que se seguiram a sua morte: nem santo, nem demônio, mas um homem. Com base em fontes inéditas, escreveu uma história empolgante, com tintas de, como diz, um “conto de fadas sombrio”– que parece não ter fim. “Junto com um repugnante antissemitismo e uma xenofobia paranoica que impregnam a nova representação nacionalista de Raspútin, há o problema maior de substituir um mito por outro: Raspútin, o demônio, se torna Raspútin, o santo”, afirma. Enquanto os russos continuam a debater a aura do “monge diabólico”, ícones com sua imagem são vendidos nas ruas de Moscou e São Petersburgo.