Três passinhos para frente e, depois, três passinhos para trás. É assim que ficamos surpresos quando vemos pessoalmente uma obra produzida por um artista francês do princípio do século XX. As pinceladas são tão impressionantes que causam duas sensações totalmente opostas, quando as observamos de perto e de longe. A França foi berço de vários movimentos artísticos, como impressionismo, que chamam a atenção pelo brilho e pela perfeita harmonia de cores. O francês Georges Seurat é considerado um dos mais importantes pintores pós-impressionistas e criador do estilo pontilhismo. O artista se afastou da espontaneidade e rapidez do impressionismo e desenvolveu uma arte estruturada para representar a vida urbana moderna, usando pontinhos nos seus quadros.

Importante destacar que “Um Banho em Asnières” foi a grande obra de transição do artista para seu novo estilo. Criada em 1884, quando tinha apenas 24 anos, a pintura mostra o desenvolvendo de técnica de pontilhismo, criada por ele, em uma obra com grandes dimensões. Registra uma cena calma, no subúrbio de Paris na margem do Rio Sena e com diversos personagens isolados (para não dizer solitários). No quadro, Seurat destaca suas habilidades com uma combinação perfeita de tons, pinceladas e teorias contemporâneas, dando a sensação de atemporalidade.

Como sempre acontece com obras pioneiras ou de transição de estilos, o quadro foi rejeitado pelo júri que a analisou pela primeira vez. Somente depois de anos de sua morte é que a pintura recebeu o merecido reconhecimento. Está exposta na National Gallery, de Londres, onde é apresentada como um dos maiores destaques de seu amplo acervo. Aliás, o museu está abrindo suas portas agora depois da pandemia de Covid-19. Quem não tiver condições de viajar pode fazer as visitas virtuais.

Seurat seguiu o caminho tradicional: estudou na École des Beaux-Arts de Paris e começou sua formação acadêmica treinando e fazendo reproduções de quadros dos mestres italianos e franceses do século 17 no Louvre. Depois, começou seu trabalho autoral expondo em salões oficiais. Seus testes com giz permitiam estudos preliminares para a criação da técnica do pontilhismo. Note que ele não explora as tintas como os impressionistas faziam, deixando muitos espaços monocromáticos e com poucos pontinhos. Na obra do banho, por exemplo, os corpos das pessoas, o chapéu, as velas dos barcos, os barcos entre outros elementos estão registrados com cores únicas, quase chapadas.

Por toda essa trajetória, pode-se dizer que foi um dos pintores franceses mais regrados. Sua disciplina criou um trabalho impecável. Porém, a organização não limitava sua capacidade de inovar. Ele foi aplaudido por criar uma paisagem em uma tela em formato vertical. Ao mudar a posição, ganhou uma nova dimensão de profundidade totalmente diferente do que se explorava na época. “The Morning Walk” retrata uma mulher perto de uma água cintilante, caminhando ao longo da margem de um rio. Sua imagem tem um recorte bem diferenciado e os telhados vermelhos das casas podem ser vistos no fundo da tela em vários pontinhos.

Foi com essa pegada de inovação, que a Galeria Campton Verney criou há alguns anos uma exposição que adorei. Batizada como “A Arte da Percepção”, integrando o pontilhismo de Seurat com a modernidade da artista inglesa Bridget Riley, enganando os olhos e a mente com as misturas de cores e jogo de luzes. As duas pinturas que definiram a base da exposição e permitiram seu modelo empreendedor foram “Morning Walk” (1885) e “La Luzerne Saint Denis” (1886), uma obra intensa e vibrante. Riley desenvolveu na década de 60 o estilo exclusivo chamado de Op Art (abreviação de arte óptica), que consiste na reprodução de padrões geométricos em preto e branco. A mostra integrava os estilos para simular de diferentes maneiras as experiências do mundo real, enfatizamos que na maioria das vezes não vemos o que obra tem para mostrar. Fiquei impressionada como a exposição desorientava os olhos de uma forma curiosa, chegando a ser quase alucinógena.

Seus pontos inspiraram muitos artistas e continuam motivando tantos outros em suas criações. Dizia que pintar era como escavar uma superfície e que cada pincelada permite “se embebedar com luz, novamente”. Se alguém desejar compartilhar uma boa história sobre o mundo da arte, estou também no Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.