A jogadora Tifanny Abreu anunciou em seu instagram no última semana que o Sesi Vôlei Bauru renovou seu contrato para a temporada 20/21. Primeira transexual a disputar uma partida oficial da Superliga, a atleta defenderá o clube pelo quarto ano consecutivo.

“Obg ❤️🖤 @sesivoleibauru ❤️🖤pela oportunidade de está mais temporada nessa equipe que é minha minha família acolhedora”, escreveu a ponteira/oposta.

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“Estou muito feliz de estar participando dessa equipe mais vez, pelo quarto ano consecutivo. Uma cidade que eu amo de paixão, que me acolheu com muito carinho. Espero que vocês continuem apoiando a nossa equipe. Vamos lotar o Panela de Pressão assim que tudo liberar, porque nós vamos em busca de títulos”, celebrou Tiffany.

Nascida em uma família pobre de Conceição do Araguaia, no estado do Pará, a vida de Tifanny foi sempre marcada pela resiliência. Ela não conheceu o pai e desde cedo teve lutar muito para ajudar a família (a mãe faleceu no ano passado). Mais nova de sete irmãos, ela começou a jogar vôlei aos 17 anos, em Goiás. À època, ela carregava o nome de Rodrigo Pereira de Abreu, nome de batismo, ou atendia, simplesmente, pelo apelido de “Pará”.

“Eu já me identificava como menina desde criança, mas somente aos 19 anos que eu fui entender que eu era uma mulher em um corpo de homem e que eu tinha que fazer uma transição”, disse recentemente à revista Glamour.

“Desde criança sempre sofri. São pessoas que não aceitam que são preconceituosas com elas mesmo, por não fazerem parte de uma sociedade perfeita ou como nos contos de fadas da cabeça delas. E acabam atacando outras como eu”, disse Tiffany em entrevista ao site Olimpíada Todo Dia.

“Meu empresário me explicou que era possível e permitido eu jogar em equipes femininas depois que eu finalizasse o processo.”

Antes de jogar em campeonatos femininos, Tifanny entrou em quadra ainda como homem pela Superliga A e B no Brasil e em outros campeonatos masculinos nas ligas da Indonésia, Portugal, Espanha, França, Holanda e Bélgica.
Enquanto defendia o clube JTV Dero Zele-Berlare da segunda divisão belga, ela iniciou o processo de transição de gênero, com tratamento hormonal, passando pela cirurgia de adequação sexual somente em 2014, até chegar aos níveis de testosterona exigidos pela FIVB (Federação Internacional de Vôlei).

A partir dali, no esporte, ela deixou Rodrigo para trás e começou a fazer história como Tifanny, principalmente, a partir de 2017, quando ela conseguiu a autorização para jogar em ligas femininas. Seu primeiro jogo entre as mulheres foi na segunda divisão italiana, quando atuava pelo Golem Palmi.

“Eu terminei a transição em 2017 e até lá eu ainda jogava com os meninos, mas eu já não tinha mais destaque algum. Era nítido que o meu nível de competição estava bem abaixo do deles. Antes da minha transição, eu era sempre um dos melhores atacantes da Liga”.

Com o processo finalizado e documentos femininos emitidos, Tifanny deu início a uma nova fase, agora no time feminino. “Eu sabia que isso teria um impacto, mas não imaginava tanta repercussão. Achei que como havia uma lei que permitia isso e estudos que comprovavam que era possível, o debate seria menor – mas não adianta, transfóbicos sempre existirão e para eles pouco importam as leis”, desabafa.

Tifanny conta que até as cirurgias – ela fez duas, a segunda foi realizada na Argentina, ela não tinha noção do que o hormônio era capaz de fazer em um corpo. “Eu não imaginava que ser uma mulher trans, era de fato ser uma mulher – com todas as forças e jeitos que uma mulher tem no seu dia a dia”, conta Tifanny.

Quando retornou ao Brasil chegou a pensar em parar e desistir da carreira, mas resistiu. Usou a estrutura do Vôlei Bauru para aprimorar a parte física e voltar para a Europa. Porém, nesse período, a atleta recebeu uma proposta e aceitou defender o time do interior paulista. A liberação para atuar na Superliga veio há três anos, após exames da comissão médica da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV).

“A luta é diária contra a transfobia em qualquer âmbito. É muito difícil você chegar em uma empresa e encontrar uma transexual trabalhando, por exemplo. Antigamente, muitas mulheres trans conseguiam um emprego, mas na hora de entregar os documentos elas eram rejeitadas pelos seus registros estarem no masculino. Hoje, já existe um mínimo avanço nesta questão”.

“Eu sofri o preconceito desde criança e isso me fez ser mais resistente, mas para mim o mais sofrido foi quando eu já estava fazendo a transição e tinha que jogar em um time masculino. Ali foi muito intenso pois meus hormônios já estavam em estágios femininos, eu não tinha força física para jogar contra meninos e eles riam da minha cara. A arquibancada dava risada, jogavam coisas e diziam ‘vamos massacrar a Tifanny’. No fundo, é isso que algumas pessoas querem mesmo: massacrar mulheres trans.”

A diversidade no esporte

A jogadora do Sesi Bauru é patrocinada pela Adidas e avalia a parceria de grandes marcas com atletas e apoiarem a diversidade no esporte.

“Eu tenho o patrocínio da Adidas que, além de me ajudar a sobreviver, também mostra para outras meninas trans que existem pessoas do nosso lado. Eu estar ali, assim como outros LGBTS, é importante para que outras pessoas se sintam representadas e vejam que é possível ter um futuro bom. E, claro, também mostra para os preconceituosos de plantão que eles estão vivendo em um mundo fechado para eles”.

Na entrevista à Glamour, Tifanny vai além na crítica ao preconceito: “Antigamente, falava-se que nós éramos a minoria, mas a minoria são os preconceituosos. A minoria são os racistas, os transfóbicos, os homofóbicos… O problema é que eles são uma minoria que faz barulho. Uma minoria que grita muito e parece que são maioria – mas não são”!

Planos para o futuro

Como qualquer atleta, Tifanny quer alcançar ainda mais pódios. “Quero ir até onde o meu corpo aguentar. Quero dar o meu máximo e chegar no lugar mais alto. Depois disso, quero abrir espaço para outras atletas. E quando eu falo isso muitas pessoas pensam ‘ah, abrir espaço só para pessoas trans?’ e não, eu quero abrir espaço para qualquer pessoa que tenha um sonho”.

Fora das quadras, ela diz que quer continuar lutando pelos transexuais, pela igualdade, por políticas públicas e espaços.

“Se hoje nós estamos aqui é porque a militância lá atrás lutou por isso e nós conseguimos alcançar um mínimo espaço. Agora queremos o nosso espaço de igualdade. Agradeço a essas pessoas, agradeço as minhas irmãs que já se foram, que lutaram por nós, e as que ainda estão lutando. Nossa luta é diária!”, finaliza Tifanny.