08/05/2020 - 15:01
Os serviços secretos viram o coronavírus chegar, mas não foram ouvidos por seus governos. A partir de agora, podem fortalecer seu papel no monitoramento dos riscos sanitários.
O COVID-19 pegou metade da humanidade de surpresa. Ainda não se sabe quem foi o paciente zero e a origem da doença ainda é desconhecida.
Para os espiões, que fazem um trabalho de vigilância, é acima de tudo “um problema de definição e previsão dos políticos, não dos serviços de informação”, diz Alain Chouet, ex-chefe dos serviços estrangeiros da França (DGSE), irritado com as suspeitas que pesam sobre alguns de seus ex-colegas.
“Temos uma média de uma epidemia a cada cinco anos. Deveria ter sido uma preocupação das autoridades políticas francesas”, avalia.
Isso é confirmado pelo professor Robert Blendon, da Universidade de Harvard, que explica que os serviços americanos há muito identificaram o risco epidêmico e “avisaram o presidente Donald Trump que eles tinham evidências de uma potencial epidemia em andamento”.
Os serviços secretos há muito monitoram os riscos à saúde, como foi o caso dos americanos, que acompanharam de perto o HIV.
“No final dos anos 90, os relatórios vinculam a segurança sanitária aos riscos de fome, seca e até guerra”, lembra Damien Van Puyvelde, professor de inteligência e segurança internacional da Universidade de Glasgow, na Escócia.
Em janeiro de 2000, um relatório da CIA falou sobre a ameaça de doenças infecciosas em todo o mundo. Todo esse trabalho “teria merecido ser levado mais a sério nas chancelarias”, aponta.
Mas, segundo Blendon, os formuladores de políticas relutam em mobilizar grandes orçamentos para uma ameaça hipotética.
“A questão importante é saber se vamos aprender e investir para que, em cinco ou dez anos, quando isso acontecer outra vez, os países possam reagir mais rapidamente”.
– Risco sanitário –
O impacto econômico, social e geopolítico do novo coronavírus é tamanho que essa questão pode ser adicionada à lista de prioridades dos serviços de segurança, que possuem recursos humanos, mas também satélites, sinais eletromagnéticos ou sistemas de monitoramento de redes sociais.
“Esses meios podem ser parcialmente úteis quando um país tenta ocultar o escopo de uma epidemia”, diz Van Puyvelde.
Assim como o 11 de Setembro de 2001 mudou o conceito de contraterrorismo, a COVID-19 pode dar uma nova dimensão à antecipação de riscos à saúde.
De acordo com Vadim Koziulin, especialista do centro de segurança independente PIR de Moscou, esta questão será “uma nova prioridade” na Rússia e “novos departamentos de segurança epidemiológica” serão criados, nas mãos das mesmas equipes que monitoram há anos os riscos nuclear e biológico.
“O choque da pandemia gerará uma demanda por novo envolvimento dos atores de defesa e segurança nessas questões, inclusive dos serviços de informação”, diz o Instituto de Pesquisa Estratégica da Escola Militar Francesa (IRSEM) , em um documento divulgado na quinta-feira.
Segundo a IRSEM, a crise do COVID-19 não pode ser considerada “um erro” dos serviços secretos e alerta que ela pode levar “atores não estatais a tentar comprar armas biológicas”.
Nesse contexto, resta saber se os médicos também podem se tornar uma fonte de informação. “Os médicos gostam de compartilhar o que sabem e até publicar, o que irrita todos os funcionários da inteligência”, brinca Benjamin Queyriaux, epidemiologista médico que foi consultor da Otan em Bruxelas.
Agora, os dois mundos terão que compartilhar informações e preocupações, de acordo com o Queyriaux. “Se queremos avançar, somos condenados a colaborar e confiar um no outro”, avalia.