A segunda primeira-dama da história dos EUA, Abigail Adams, foi a responsável por consagrar o primeiro aforismo da jovem nação: “A serpente da qual você cuidou mordeu a mão que a alimentou”. Ao cunhar a frase, em 1800, a mulher de John Adams fazia, na verdade, uma provocação ao presidente Thomas Jefferson, sucessor do marido. Naquele ano, Jefferson inaugurou o que chamamos de efeito bumerangue na política: expôs segredos inconfessáveis de um oponente para depois ver acusações se voltarem contra ele com o dobro da força. O adversário em questão era o então secretário do Tesouro e líder do Partido Federalista, Alexander Hamilton. Em 1796, Thomas Jefferson transformou uma história de extorsão e traição conjugal numa conspirata para fraudar o governo, pretensamente articulada por Hamilton. E vazou o caso à imprensa, mais precisamente ao jornalista democrata James Callender. Quatro anos depois, Jefferson seria alvo das denúncias do mesmo jornalista que um dia presumiu estar do seu lado. E, óbvio, tornado vidraça, partiu para desqualificar a imprensa.

Em pleno século XXI o comportamento se repete, como ladainha em procissão. No Brasil recente há exemplos aos borbotões. Quando ocupava a trincheira da oposição, o PT sabia alimentar a imprensa como poucos e dela valia-se politicamente. Depois que alcançou o poder, o jogo virou. Fiscalizado e, na sequência, denunciado pela mídia, por incorrer em surradas e inconcebíveis práticas políticas as quais prometeu eliminar da vida pública, fez de tudo não só para tentar desacreditá-la, como também para conseguir sua regulação – para muitos, um eufemismo para censura. Hoje, “golpista” constitui o termo mais ameno usado pelos petistas ao se dirigir à mídia.

A imprensa tornou-se imprestável também para o deputado Jair Bolsonaro, presidenciável do PSL, desde que sua vida pregressa passou a ser investigada por jornalistas, no sacrossanto cumprimento do seu dever de ofício – o de bem informar a população. Quando ocupado a denunciar adversários, com base em notícias veiculadas por jornais, TVs e revistas, Bolsonaro jamais pronunciou uma palavra sequer de cautela, na linha: “Olha, essa notícia contra meu oponente é de extrema gravidade, mas vamos com calma porque a mídia não é confiável”. Agora, toda vez que é publicado algo capaz de desaboná-lo, o parlamentar tenta desmerecer o veículo de informação. A fonte da qual sempre bebeu, e muitas vezes se esbaldou, virou “fake news”. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Tal como o candidato do extremo oposto, Bolsonaro se revela despreparado para lidar com questões essenciais do processo democrático, às quais devem se submeter qualquer aspirante a comandar os destinos do País. Quase dois séculos e meio depois, o adágio de Abigail Adams está mais vivo do que nunca.


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