“Quando vimos os vestidos dele, pareciam intocados. Eles flutuavam, fluíam, criavam mistério.” A frase do estilista francês Hubert de Givenchy abre um dos episódios da nova série disponível no Star+ (Disney+): Cristóbal Balenciaga. A produção acompanha os 30 anos que o estilista espanhol, nascido em 1895 e morto em 1972, passou em Paris após fugir da Espanha Franquista, consolidando-se como um dos principais nomes da moda mundial.

Ali, vivenciou a amizade e a rivalidade com estilistas franceses, como Coco Chanel e Christian Dior, sobreviveu à ocupação nazista de 1940 a 1944, viveu amores e fugiu de muitos jornalistas. Ao contrário do exagero contido em suas criações, e associado à marca ainda hoje, o fundador da grife era discreto: não gostava de aparecer em público, recusava entrevistas e sua vida privada era mantida, com todo o cuidado, entre quatro paredes.

“Seu lado reservado era quase antagônico ao que ele entregava na moda. Eu acho que ele mostrava para o mundo, por meio das criações, tudo o que estava guardado dentro dele”, diz Mariana Cerone, professora do Hub de Moda e Luxo da ESPM.

Série mostra por que o estilista espanhol Balenciaga incomodou Chanel e Dior
Ver e não ser visto: ao contrário de suas roupas, o espanhol preferia ficar longe dos holofotes (Crédito:Lipnitzki / Roger-Viollet / Roger-Viollet via AFP)

Também escondido atrás das cortinas era que, após checar cada peça, em sua maioria vestidos e chapéus, ele observava as modelos deslizarem nos desfiles diários que ocorriam na luxuosa casa da Avenida George V para clientes e a mídia.

Salvo o período em que, receoso das réplicas feitas com descuido a partir de desenhos publicados em revistas e jornais, impediu a entrada dos repórteres. Todos queriam copiar Balenciaga e até os colegas se curvavam a ele. “A alta-costura é como uma orquestra e o maestro é Balenciaga”, disse Christian Dior (1905-1957).

Em sua essência

Quando chegou a Paris em 1937, em fuga da ditadura franquista, Cristóbal já era um profissional de renome: havia inaugurado o ateliê na Espanha pelo menos vinte anos antes, aos 17.

Porém, chegar ao berço da moda, da gastronomia e das artes foi um choque. Tentou se encaixar ao estilo parisiense de pensar, mas o brilho apareceu mesmo quando o costureiro autodidata se entregou à sua essência: a Espanha.

A junção dos cortes perfeitos, a precisão e toda a técnica necessária à alta-costura com as referências históricas ao seu país — touradas e outras manifestações populares — deram o tom.

Série mostra por que o estilista espanhol Balenciaga incomodou Chanel e Dior
Marlene Dietrich (foto), Grace Kelly e Audrey Hepburn procuravam o artista para visuais únicos (Crédito:The Kobal Collection)

Maestro, arquiteto da moda, rei da alta-costura: foi assim que as pessoas passaram a se referir ao espanhol idealizador de uma das principais casas da moda mundial.

Mais de 100 anos após a fundação da maison ainda na Espanha, especialistas acreditam que seus sucessores, incluindo o atual Demna Gvasalia, mantêm a essência da marca.

“De uma forma moderna, mas com respeito à técnica”, diz Cerone. Assim como a marca, a opinião é polêmica. Ela relembra os questionamentos sobre o traje preto que cobria Kim Kardashian dos pés à cabeça, inclusive o rosto, no MET Gala em 2021. “Isto conecta com o Cristóbal, pois remete ao incômodo, o sarcasmo, a provocação. É de fato uma roupa politizada, há uma mensagem por trás.”

Os chapéus exagerados da época tampouco foram entendidos pelo vulgarismo dos oficiais alemães, e as roupas que desafiavam o papel feminino também não satisfaziam a todos. “O empoderamento feminino está ligado à moda, e a alta costura tem um posicionamento muito forte. Quando Balenciaga muda os cortes de lugar, ele está dando um novo poder para a mulher que tinha que se esconder e seguir regras em uma sociedade extremamente machista.”

Série mostra por que o estilista espanhol Balenciaga incomodou Chanel e Dior
Toque moderno: essência da marca segue preservada pelos sucessores, segundo especialistas (Crédito:Jean Chung)

Outro ponto abordado pela série é que as grifes, ao longo da história, sempre estiveram à mercê do mercado:
• de um lado, os empresários (investidores, fornecedores);
• do outro, os clientes.

“Existe uma noção de glamurização que é na entrega do cliente, não necessariamente do profissional que trabalha por trás. Uma marca de luxo é um varejo com qualidade superior”, diz Cerone.