O governo Jair Bolsonaro está próximo de chegar aos primeiros cem dias sob o risco do vexame de não ter nada de efetivamente concreto a apresentar. Notabilizado somente pela frequência com que se mostra nas redes sociais, sem fatos concretos, Bolsonaro gaba-se de ações que, na prática, significam muito pouco. Meros lances de marketing que não representam a efetividade alardeada. Um bom exemplo disso foi o anúncio de cortes de cargos comissionados, que representariam, segundo a promessa do presidente, uma grande economia aos cofres públicos. Na realidade, porém, não houve corte de cargos e nem economia.

Na segunda-feira 18, Bolsonaro utilizou sua principal ferramenta de diálogo com a população, o twitter, para exaltar um decreto que determinava a extinção de 21 mil cargos comissionados. “Na campanha, firmei o compromisso de enxugar a máquina pública e torná-la eficiente. Assinei decreto que extingue 21.000 cargos comissionados da esfera federal. Economia de quase R$ 195 milhões de dinheiro público e ainda há muito o que fazer! Estamos cumprindo nossa missão!”, exaltou o presidente.

Lendo apenas o twitte presidencial, a primeira coisa que o cidadão comum imagina é que o governo fez uma verdadeira faxina no amplo hall de comissionados e indicações políticas por toda a Esplanada dos Ministérios. Mas essa está longe de ser a realidade. Na verdade, o decreto determinou principalmente a extinção das funções gratificadas, e não de cargos comissionados de livre provimento, os chamados DAS. O governo só extinguiu de fato 159 cargos. Mas estes não estavam sequer ocupados. Ou seja: na maior parte dos casos, o governo apenas extinguiu cargos de comando e chefia que poderiam ser preenchidos por servidores concursados, o que lhes garantiria um adicional pela função. Na prática, ninguém foi demitido.

A única coisa que o decreto fez foi determinar a extinção definitiva de cargos que já não estavam ocupados

Decreto inócuo

O decreto poderia ter representado uma grande economia se houvesse 21 mil servidores públicos ocupando as funções gratificadas. Não havia nenhum. Todos os postos que o decreto atingiu, na realidade, já estavam ociosos. Seu único mérito é estabelecer que ministros e outros gestores não poderão mais nomear ninguém. Assemelha-se à seguinte situação na vida privada: alguém numa empresa é demitido ou pede demissão e, no ano seguinte, resolve-se extinguir o posto para congelar futuras despesas. O gasto já não havia mais. Portanto, também não houve nova economia. Foi isso o que o governo fez.

Mesmo o congelamento de cargos que já não estavam ocupados não será feito de uma só vez. Dos 21 mil cargos que serão extintos, 6.587 já não existem mais a partir do decreto. Outras 2 mil funções serão abolidas em abril, e as restantes – aproximadamente 12,4 mil – apenas em julho. Das 21 mil funções de confiança de servidores públicos, 13,7 mil estão ligadas a instituições de ensino. Ainda que não tenha efeito prático, já que os cargos não estavam ocupados, o decreto gerou revolta da comunidade acadêmica. O ato foi visto por professores como uma espécie de retaliação do governo federal às universidades e demais entidades geridas com recursos federais.

Deputados ouvidos por ISTOÉ criticam a postura do governo. Inclusive dentro do PSL há um sentimento de que o governo, para apresentar bons resultados, precisa descer do palanque e trabalhar por fatos concretos. Para os deputados, é lícito que o governo ressalte as coisas positivas que faz. Desde que elas sejam reais.

As redes sociais, onde Jair Bolsonaro muitas vezes parece preferir habitar, formam um ambiente que seus próprios criadores chamam de virtual. Não se trata de um mundo real. Por essa razão, por lá pululam as fake news, termo que Bolsonaro e seu espelho americano Donald Trump adoram repetir. Diante da dura realidade sofrida pelos brasileiros, já é bem ruim que o presidente prefira o mundo virtual. Mas é ainda bem pior quando ele tenta impingir fake news aos brasileiros no mundo real.