Sergio Moro renuncia ao Ministério da Justiça por ‘interferências políticas’ de Bolsonaro

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O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, renunciou ao cargo nesta sexta-feira (24) e acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar “interferir” nas investigações policiais.

Bolsonaro negou as acusações e afirmou que o ex-magistrado foi movido por seu “ego” e ambições pessoais.

A saída de Moro, para muitos símbolo da luta contra a corrupção, ocorre em meio à crise sanitária mundial, que na semana passada provocou a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, devido a desentendimentos com o presidente sobre as estratégias para enfrentar o novo coronavírus.

A causa desta nova convulsão política, segundo Moro, foi a destituição do diretor-geral da Polícia Federal (PF), órgão independente de investigação subordinado ao ministério da Justiça, publicada de madrugada no Diário Oficial.

“O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de Inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações devem ser preservadas”, denunciou Moro em coletiva de imprensa em Brasília.

Também afirmou que Bolsonaro disse estar “preocupado” com algumas investigações em andamento e que esta foi uma das razões pelas quais queria mudar o chefe da PF, Maurício Valeixo, nomeado por Moro.

Cercado por todos os seus ministros e alguns colaboradores, Bolsonaro negou o que chamou de “acusações infundadas” de Moro. Também disse que o ex-juiz afirmou que aceitaria a demissão de Valeixo em troca de um cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele disse que antes de Moro se pronunciar, comentou com vários deputados: “Hoje vocês vão conhecer uma pessoa que tem um compromisso consigo mesmo, com seu ego, mas não com o Brasil”.

O discurso de Bolsonaro foi acompanhado por panelaços em várias cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Esse tipo de manifestação é praticamente diária há várias semanas e protesta contra a oposição do presidente às medidas de isolamento social ordenadas por vários governadores para conter a disseminação da COVID-19.

A renúncia de Moro, o ministro mais popular do gabinete, derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (que fechou com uma queda de 5,45%) e afundou o real em relação ao dólar.

– “Cavando sua fossa”

O procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, pediu ao STF que investigue as acusações feitas por Moro.

A saída do ex-juiz dividiu a base de Bolsonaro e motivou uma série de críticas e pedidos de renúncia do chefe de Estado.

O deputado Capitão Augusto indicou que articulava a saída da bancada da segurança pública da base pró-governo.

A chamada “bancada da bala” foi um aliada importante na eleição de Bolsonaro, junto com a ruralista e a evangélica.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) afirmou que Bolsonaro “está cavando sua fossa” e pediu que ele “renuncie antes de ser renunciado”.

Na imprensa, muitos especialistas discutem a possibilidade de Bolsonaro ser objeto de um processo de impeachment.

– Discurso anticorrupção debilitado –

Nos bastidores, a mudança do diretor da Polícia Federal é vista como uma tentativa de controlar investigações que cercam a família do presidente e aliados políticos.

“Bolsonaro quer se proteger. Cabe à PF investigar suspeitas de vários crimes que rondam o presidente, sua família e seus aliados”, afirma Sylvio Costa, fundador do site especializado em cobertura política Congresso em Foco.

Seu filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro, é investigado por suspeitas de desvios e lavagem de dinheiro enquanto deputado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

“Nunca pedi para proteger alguém da minha família, nunca faria isso”, disse o presidente.

Em seu discurso de renúncia, Moro disse que não viu tentativas semelhantes de interferência, mesmo no auge da operação Lava Jato, iniciada em 2014 sob um governo do Partido dos Trabalhadores de esquerda (PT).

Essa investigação revelou um esquema de corrupção entre políticos, empresários e funcionários da estatal Petrobras e levou à prisão de figuras como o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Analistas apontam que a saída de Moro coroa um processo de “politização” de organismos governamentais que combatem a corrupção, apesar do discurso de transparência e honestidade que Bolsonaro defendeu durante a campanha eleitoral de 2018.

Embora ainda tenha alta popularidade, Moro sofreu um duro golpe em sua reputação, depois que o portal The Intercept Brasil revelou, em junho de 2019, supostas mensagens privadas trocadas entre ele e os procuradores da ‘Lava Jato’, que sugerem certa intimidade entre as partes e questionam sua imparcialidade como juiz no processo.