No seu parecer favorável ao projeto do novo Código Eleitoral, divulgado hoje, a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) diz que um dos méritos da proposta é “a irradiação da liberdade em todas as etapas do processo eleitoral”.

Aí você vai lendo o calhamaço com quase quatrocentas páginas e descobre, no artigo 181, inciso XIV, que magistrados e membros do ministério público são inelegíveis até cinco anos depois de terem se afastado definitivamente de seus cargos. Os parágrafos oitavo e nono do mesmo artigo estendem essa inelegibilidade a militares e integrantes de todas as polícias.

A equação não fecha. Você não “irradia a liberdade” criando algumas castas de cidadãos que precisam se manter afastados da política por meia década em razão da profissão que exerceram.

Atualmente, políticos condenados em segunda instância por corrupção podem ficar inelegíveis por oito anos. Políticos que sofreram impeachment podem até mesmo escapar dessa penalidade, desde que o ministro do STF Leandro Lewandowski separou a perda do cargo da perda dos direitos políticos, para fazer um afago em Dilma Rousseff quando ela teve sua presidência interrompida, em 2016.

Se a nova regra for aprovada, profissionais do Direito e da Segurança Pública, mesmo que tenham tido carreiras exemplares, não poderão ser candidatos em nenhuma eleição por mais da metade do prazo que afeta políticos ladrões ou que cometeram crime de responsabilidade.

Desafio qualquer um a encontrar na Constituição amparo para essa nova forma de ostracismo.

Dois mil e quinhentos anos atrás, os atenienses escreviam em conchas de ostras os nomes de cidadãos que deveriam ser expulsos da cidade por supostamente representarem uma ameaça à ordem pública. O fulano “ostracizado” ficava impedido de voltar a Atenas por até dez anos.

O castigo que estão querendo criar no Brasil também é preventivo. Mas do que, exatamente? Não há explicação.

Trata-se de impedir que um juiz ou um procurador se utilize das informações dos processos em que trabalhavam? Quarentenas para prevenir o uso de informações privilegiadas, no mundo todo, costumam durar seis meses, no máximo um ano. Jamais cinco.

Trata-se de evitar que integrantes dessas profissões se vejam tentados a usar o cargo para se projetar na política? Não é papel da legislação eleitoral disciplinar o comportamento da magistratura, do Ministério Público ou da polícia federal. Isso é uma questão interna das corporações. Além disso, o método equivale a utilizar uma bazuca para atingir um alfinete. Dos milhares de profissionais dessas carreiras, é uma fração ínfima que fica famoso e se volta para a política. Quantos juízes das Varas de Família você conhece que se tornaram celebridades?

Pois é, como você, que por acaso chegou até aqui, eu também acho que a tal regra é casuística, tem alvo certo: Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato.

Eles são odiados por 98% da classe política, que não se satisfaz em ver o material colhido na Lava Jato ser invalidado pelo STF. Ela quer interditar o caminho da política aos protagonistas da operação, nem que seja cultivando uma jabuticaba inconstitucional.

Vejam bem, eu acho que Moro realizou uma monumental asneira ao aceitar um ministério  no governo de um pilantra como Jair Bolsonaro. Isso manchou seu nome, inviabilizou, em vez de promover, muitas das causas que ele defendia e, mais importante, expôs a Lava Jato ao desmonte quase total a que ela foi submetida. Sua passagem pela política mostrou que ele era, no máximo, um bom juiz.

É repugnante, contudo, ver o Congresso dedicado a essa tarefa de afastar das eleições, por meio de um subterfúgio, não só Moro, mas também a discussão que sua mera presença entre os candidatos poderia ensejar.

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PS: O governo Bolsonaro é mesmo ridículo. Ele baixou um decreto para regular o uso do ar condicionado nos órgãos federais. É assim que o presidente enfrenta a crise climática.