Mais de um ano depois da homologação de um acordo de delação premiada que tem lhe garantido o direito de não passar nem um dia sequer na cadeia, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado vive como se estivesse numa prisão domiciliar de luxo. Machado, ex-senador, que confessou ter desviado ao menos R$ 100 milhões para aliados políticos, atualmente passa a maior parte do tempo recluso em casa com piscina, quadra, extensos jardins no alto de uma colina com vista para o mar azul da Praia do Futuro.

A residência toma meio quarteirão no Bairro de Dunas, um dos mais nobres e caros de Fortaleza, onde também moram expoentes do mundo empresarial e político do Ceará como o ex-governador e senador Tasso Jereissati, presidente interino do PSDB e ex-aliado de Machado.

Machado não sofre qualquer restrição legal. Formalmente, é um homem livre. O acordo de delação negociado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma cláusula que lhe facultava a opção de cumprir antecipadamente a pena, já que os processos referentes à Transpetro ainda não foram julgados. Recentemente, a eficácia do acordo foi questionada pela Polícia Federal.

Alegando razões de “foro íntimo”, Machado optou por não antecipar a pena. Aos raros interlocutores, o ex-presidente da Transpetro diz estar se sentindo ameaçado porque acusou “políticos profissionais dispostos a qualquer coisa para se salvar”. A um amigo, o ex-senador, que tem 70 anos, afirmou que está preparado “para passar o resto” dos seus dias “por conta desta luta”. Quando comenta sua situação, reclama que “é como se a prisão domiciliar já tivesse começado”.

Pelo acordo, Machado vai cumprir três anos de prisão domiciliar seja qual for o resultado dos inquéritos nos quais está envolvido. Cumpridos dois anos e três meses, passará para o regime semiaberto diferenciado. Ele pode ser condenado a no máximo 20 anos de reclusão, mas se as penas ultrapassarem os três anos serão automaticamente convertidas na punição alternativa.

Temendo retaliações, Machado passa a maior parte do tempo na casa de Dunas que teve a segurança reforçada. Pelo menos três camadas de segurança protegem Machado. A primeira formada pelos vigias do bairro. Como na maioria das áreas ricas das grandes cidades, as ruas de Dunas são praticamente desertas.

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Apenas carrões e as motos de seguranças circulam pela região. Existem relatos de equipes de reportagem abordadas e intimidadas pelos vigias. Além disso a casa tem uma equipe de ao menos oito seguranças fortemente armados e equipados com coletes à prova de balas que ficam no interior da residência. Na semana passada, a reportagem do Grupo Estado esteve no local sem avisar e foi atendida por um deles, que disse gentilmente: “O doutor Sérgio não está. Deu uma saidinha”.

Academia

Machado tem ainda uma equipe de guarda-costas que o acompanha nas cada vez mais raras aparições públicas e impede qualquer pessoa de chegar perto do ex-presidente da Transpetro. Mas não evita situações embaraçosas. Ele foi hostilizado em uma visita ao Shopping Del Passeo e na academia onde se exercitava sob a orientação do bicampeão mundial de vôlei de praia Roberto Lopes foi chamado de ladrão.

Outros frequentadores chegaram a procurar a direção da academia para reclamar. Machado parou de frequentar o local. Amigos e ex-aliados viraram a cara para o ex-senador e ex-candidato ao governo do Ceará. No PMDB local, partido ao qual era filiado, é visto como inimigo.

Machado e sua família também viraram alvo de boatos e fofocas. Na capital cearense alguns juram tê-lo visto com tornozeleira eletrônica, o que não é verdade. Segundo fontes da alta sociedade de Fortaleza, os quatro filhos de Machado se mudaram para o exterior. Dois moram em Nova York, um em Londres e Serginho, que rompeu com o pai depois do escândalo, estaria morando no megacondomínio Saint Regis, em Miami, onde o ex-jogador Ronaldo Fenômeno e o apresentador Fausto Silva têm apartamentos.

Gente do entorno de Machado nega e diz que os boatos foram alimentados pela família por questões de segurança. Segundo pessoas próximas, hoje o ex-senador se limita a ir às missas de domingo na Igreja Nossa Senhora de Fátima, também em Dunas, onde costuma se aconselhar com o padre Edcarlos Isaías de Souza, e visitar a mãe, dona Deisy, de 90 anos.

Na casa das Dunas – alugada – Machado vive entre leituras e escritos ao lado da mulher, seguranças e cinco empregados, entre eles um garçom. Mas não deixa de reclamar. “Esta casa tem aparência antiga e muros altos, inclusive do lado de dentro”, disse ele a um amigo.

‘Estancar a sangria’

Na delação, o ex-presidente da Transpetro diz ter desviado R$ 100 milhões para mais de 20 políticos de diversas legendas e envolve diretamente o presidente Michel Temer, que nega irregularidades. Mas o político cearense ficou famoso pelas gravações secretas que fez com políticos graúdos com os quais tinha intimidade, como o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR), em uma espécie de antecipação do método que seria usado por Joesley Batista, dono da JBS.

Em uma delas Jucá diz a frase: “Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria”. Além das delações, Machado se comprometeu a devolver R$ 75 milhões dos quais, segundo ele tem dito a pessoas próximas, ainda faltam R$ 20 milhões. Em relatório de inquérito que investiga Jucá, Sarney e Renan por obstrução da Justiça, a delegada da PF Graziela Machado da Costa e Silva pede a revogação dos benefícios concedidos ao ex-presidente da Transpetro.

Machado diz aguardar com “tranquilidade” a manifestação da PGR sobre o documento da PF. Ele tem dito perceber “forte atuação” dos políticos investigados na repercussão do caso e estranhar que outros arquivamentos feitos pela PF não tenham tido o mesmo destaque.



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