Algo dizia a Frejat que a hora era de Serginho Trombone. Aos 69 anos, o músico já tinha credenciais despencando do cabide. Depois de começar ao lado do pianista Dom Salvador e de seu grupo de música afro-brasileira Abolição, no começo dos anos 1970, passaria seus sopros por uma lista sem fim. Tim Maia, Jorge Benjor, Gilberto Gil (os três ‘grooveiros’, como ele chama), Rita Lee, Barão Vermelho, Sidney Magal, Luiz Melodia, Alcione, Ed Motta, Antônio Adolfo, Lenine, Sandra de Sá e Lincoln Olivetti, entre muitos outros.

Frejat sentia que era questão de justiça, e isso o fazia ligar para Serginho apenas para lembrá-lo. “E aí Serginho, o estúdio está aqui te esperando. Vamos fazer aquele disco?” Um dia, o telefone de Frejat tocou de volta. “Aquela história de disco é séria mesmo?” Era. Em dois anos, um prazo longo para quem não saía dos estúdios sobretudo entre os anos 1980 e 1990, perdendo a soma dos álbuns que ajudava dar forma, participando como instrumentista ou arranjador.

O álbum não é o primeiro. Sua estreia solo é de 1992, quando gravou todos os instrumentos e fez as programações eletrônicas, inclusive de bateria, para Avec Elegância. Já era uma amostra da escola de metais Serginho Trombone, com o suingue de faixas como a abertura de Aeróbica, mas ainda muito contaminado pela estética dos anos 1980, sobretudo nos timbres dos muitos teclados.

A ideia agora veio junto com o homem que passou todo o tempo querendo que o disco acontecesse. “Eu só disse a ele que queria que a bateria fosse real, e não programada dessa vez”, diz Frejat. Quando o som começou a ganhar forma, Serginho reconheceu. “É por aí mesmo.” “Ele já tinha as músicas formatadas, é um outro nível de trabalho. Serginho é criador de uma linguagem e merecia esse disco.”

Serginho Trombone fez de fato um álbum mais humano que eletrônico, embora os teclados estejam sempre por ali. Apenas duas são regravações. Primavera, de Cassiano e Silvio Rochael, um dos maiores clássicos de Tim Maia, tem as cordas coladas em um improviso de trombone de ‘responsa’.

“Esse arranjo ainda será objeto de estudo para muitos músicos por anos, tenho certeza”, escreveu Frejat em um texto de apresentação do disco. E O Caminho do Bem, lançada em 1976 no álbum Tim Maia Racional Volume 2, recobre o momento que Trombone também considera o melhor musicalmente de Tim. “Ninguém mais podia fumar, beber, se drogar, nada. Assim, a voz de Tim ficou perfeita e as execuções também.” Convertido à seita Universo em Desencanto, Tim se jogou na crença Cultura Racional, inspirada no espiritismo, e baixou as novas normas. Músicos no ensaio e nos shows, só de branco. Os instrumentos deviam ser pintados de amarelo. “Pena que as letras não condiziam com a parte instrumental”, avalia Serginho.

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A versão de hoje sai com novas linhas de sopros e um baixo assumindo primeiro o refrão que logo será cantado por vozes de Frejat e de outros integrantes. É vibrante e não deixa perder a sonoridade setentista mesmo sendo muito mais cheia e um pouco mais acelerada do que a original. A ficha técnica mostra 14 músicos, dentre eles Paulinho Guitarra (velho parceiro dos anos de Tim), Jessé Sadoc (trompete e vocal) e Altair Martins (trompete e voz).

As novas músicas fazem um sobrevoo sobre o pensamento de Serginho Trombone e um pouco do que ele colheu pelo caminho. Os teclados de Lincoln Olivetti são presenças ainda que menos fortes. A abertura de Caule do Coqueiro tem solo de sax alto de Leo Gandelman. O improviso de Serginho é daqueles que narram uma história. “Não sou de tocar fechando os olhos e indo embora nas notas.” Ele prefere a respiração em suas frases, como se falasse sem pressa. “Meus solos precisam contar uma história.”

Alçapão é a porção da latinidade, pouco associada ao músico. Tem Paulo Braga na bateria e Cesinha na percussão. E Escola Real, o samba do disco, faz lembrar das gafieiras, a entrada dos naipes de metais da música brasileira bem antes da soul music feita aqui absorver essa mão de obra. Claudio Jorge foi chamado por Frejat para fazer o violão de sete cordas. A única faixa que tem Frejat é Tromboneando, o nome do disco, que ganha riffs cortando os grooves acelerados dos metais. Uma viagem.

Serginho Trombone foi se adaptando às mudanças. Quando os teclados chegaram nos anos 80, como criaturas abocanhando guitarras, baterias, sopros e tudo o que passou a ser assumido por suas programações, Serginho não se acanhou. Colou em Olivetti, o homem que melhor traduziu a realidade daqueles sons para a música de estúdio no Brasil, e passou a aprender com ele. Como seu instrumento não morreu? “Em vez de reclamar, eu aprendo”, ele diz. E assim seguiu, criando arranjos para os discos mais vencedores de Rita Lee dos anos 80 e 90 e estelares como o que fez para W/Brasil, que reconduziu Jorge Ben à existência em 1990.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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