Se tivessem cobrado ingresso, seria circo; se tivessem cercado, seria hospício. Assim foi a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada em São Paulo, na semana passada. Nela, algumas das autointituladas sumidades do conservadorismo brasileiro, figurinhas carimbadas no álbum do “Festival de Besteiras que Assola o País” (com a devida licença de Sérgio Porto), mais uma vez mostraram ao que vieram à vida pública — rigorosamente para nada. Ou, melhor: para empobrecê-la.
À frente, é claro, esteve um dos mais pitorescos políticos de nossas plagas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, responsável pela organização do evento ao custo de R$ 900 mil — dinheiro público do fundo partidário utilizado pela Fundação Indigo, a principal mentora do PSL. Eduardo é o moço que se arvora em intelectual capaz de se tornar o embaixador do Brasil em Washington, e, talvez por isso, o que ele fez foi simplesmente promover, aqui, um xérox da Conservative Political Action Conference, a mais reacionária reunião partidária que ocorre anualmente nos EUA, desde 1973. Diferença importante para qual ele deu de ombros é que, entre os americanos, são empresários que bancam a conferência.

Falou-se acima em circo e hospício. Na verdade, nem daria para ser diferente um evento coordenado por alguém que apareceu em redes sociais ofendendo a dignidade da causa LGBT. Vestia uma camiseta: sobre o L ele pintou a Estátua da Liberdade; sobre o G colocou uma arma; sobre o B aparece a foto de seu pai, Jair Bolsonaro; e, finalmente, acima do T vê-se a imagem de Trump se o leitor ou a leitora não riram, que ótimo, só ele próprio se acha engraçado. Lembram de quando Eduardo posou para fotografias diante da tradicional Estátua da Paz, na ONU? O monumento simboliza o não uso de armas, mas o deputado saiu na foto fazendo com os dedos das mãos gestos que imitam revólveres.

LÓGICA ZERO O ministro Ernesto Araújo falou da “lacração” de Voltaire: atropelo à razão (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Não bastasse tudo isso, é por causa dele que muitos diplomatas sérios, cultos e de carreira, agora podem cantar a música de Adoniran Barbosa: “O Arnesto nos convidou para um samba…”. “Arnesto”, no caso, é o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o samba (pasmem!) é a convocação para que tais integrantes do corpo do Itamaraty deem aulas particulares de diplomacia ao pretendente a embaixador. Falando em Araújo, ele brilhou ao declarar coisas sem sentido (mas em latim! Em latim!) na conferência. Em uma de suas falas envolveu o iluminista francês Voltaire em uma frase que arrepia a cognição: “Voltaire começou a lacrar quando contrapôs ideologia com a verdade e desrespeitou a fé e a monarquia francesa”.

A maratona de bobagens verbais teve disputa acirrada. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, demonstrou que enxerga no Brasil o que jamais alguém enxergou: muitos e muitos Friedrich Engels, o abastado empresário alemão que financiava o comunista Karl Marx para que ele escrevesse sua pretensa sociologia e, nas horas vagas, engravidasse a empregada doméstica. Segundo Weintraub, o Brasil corre o risco de ir para a esquerda porque existem bilionários comunistas no País. Ministro, saiba que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um bilionário ir dando aos desempregados, de mão em mão, pequena parte de sua fortuna.

Ainda no capítulo pérolas raras, seria injusto não citar a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Ela disse que na reunião dos direitistas “nenhuma mulher introduziu um crucifixo na vagina”. Deixemos aos psicoterapeutas e psicanalistas a interpretação de sua erótica fala. Cotejando as declarações de Araújo, Weintraub e Damares, fica difícil saber qual deles leva o Nobel do nonsense. Que seja entregue, então, ao próprio Edurado, que quer ser embaixador mas confunde o Pacto de Não Agressão firmado entre Joseph Stalin e Adolf Hitler com a reunião de Neville Chamberlain e o ditador nazista. Em se tratando de Eduardo, normal. Ele já se vê como embaixador porque “muito senador vai votar a favor” de sua indicação somente para “me ver longe” do Brasil. A que nível chegamos!

Auschwitz e Kolima

Se toda essa pobreza intelectual fosse somente comédia, o problema seria dele e de seus iguais na ideologia do atraso. Mas a coisa não é somente riso. Há autoritarismo no fundo dessas almas. E há de se tomar cuidado porque ideologias totalitárias, à direita e à esquerda, já geraram fábricas fúnebres como o campo de extermínio de Auschwitz ou o gulag de Kolima. É em eventos desse gênero que o bolsonarismo vem se espalhando em todo o Brasil. Além de respirar a inspiração americana, o CPAC, pode-se dizer, é também imitação de outra coisa ruim, só que aí pelo avesso: o Foro de São Paulo, criado em 1990 pelo tirano cubano comunista Fidel Castro e seu eterno fã Luiz Inácio Lula da Silva.

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O conservadorismo tem saudável liberalismo
econômico e respeito aos direitos dos cidadãos.
Eduardo não sabe nada disso.

O Foro de São de Paulo chegou a reunir mais de cem partidos comunistas de diversos países, além de chefes de Estado socialistas e chefes do banditismo travestido de luta política, a exemplo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e do Movimento de Esquerda Revolucionário do Chile (será que havia miliciano no evento de Eduardo?). O objetivo do Foro era, e ainda é, o de propagandear e papagaiar a ideologia da esquerda por meio de células políticas. Também papagaiar e propagandear o reacionarismo do pensamento da direita é a finalidade da CPAC. Prova disso é que já houve encontros nas cidades de Recife, Belo Horizonte e Londrina, todos preparatórios para a conferência geral da semana passada, que reuniu cerca de três mil bolsonaristas.

Reunião sem solução

É óbvio que eles têm o direito de difundir a sua ideologia, e tal direito precisa ser respeitado por todos que pensam de maneira diversa. Isso é democracia e é na democracia que o Brasil precisa continuar seguindo a sua jornada. O que se lamenta, no entanto, é que em uma conferência desse porte tenha-se jogado fora a oportunidade de discussão, debate e apresentação ao País daquilo que de fato é historicamente o conservadorismo. Há quem, ingênua e mecanicamente, o ligue de imediato ao reacionarismo. Isso é um equívoco. O regime conservador prima pelo saudável liberalismo econômico, por um Estado mínimo e pelo zelo e respeito em relação às garantias fundamentais dos cidadãos. Esses princípios a conferência não explicitou — aí, em vez de conservadora, se torna de extrema-direita. O governo Bolsonaro está longe do conservadorismo e liberalismo clássicos. É o regime da intriga, da mesquinharia e da beligerância. É o regime que jamais levará o Brasil a lançar a sua âncora em porto seguro de ordem política e prosperidade econômica.


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