A separação da cantora Sandy e do músico e apresentador Lucas Lima, anunciada na segunda, 25, não repercutiu apenas entre os fãs do casal: chegou até a tradutores e especialistas em literatura russa. Isso porque o programa Fofocalizando, do SBT, resgatou um post de 5 de setembro em que Lucas comenta os efeitos da leitura de A Morte de Ivan Ilitch, novela de Liev Tolstoi publicada em 1886. “Que livro forte”, ele escreveu. “Deu uma chacoalhada legal no Lucão.”

O post tem duas imagens. Em uma delas, ele sublinha, em amarelo, um trecho da obra: “Talvez eu não tenha vivido como deveria, ocorreu-lhe de repente. Mas, como, se eu sempre fiz o que devia fazer?”.

“Russo não tem o menor jeitinho na hora de falar as coisas na lata, né? Texto muito direto, sólido, sem firula nem carinho. Verdade sem desvios. Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas”, ele escreveu.

Sandy e Lucas estavam juntos havia 24 anos. Mesmo período de casamento de Tolstoi quando escreveu o livro. Na apresentação do volume Novelas Completas (Todavia, 2020), o tradutor Rubens Figueiredo escreve que naqueles anos “o ambiente conjugal e familiar de Tolstoi já adquirira o caráter conflituoso que, com altos e baixos, iria perdurar até o fim de sua vida, em 1910”.

O enredo parece simples: é a história de Ivan Ilitch, um juiz de instrução que, depois de alcançar uma vida confortável, descobre que tem uma grave doença. A partir daí, passa a refletir sobre o sentido de sua existência.

Nabokov dizia que essa era uma das obras máximas da literatura russa. “Meu primeiro ponto é que não se trata da história da morte de Ivan, e sim da vida de Ivan”, escreveu o autor de Lolita. “A fórmula tolstoiana é: Ivan viveu uma vida má, e como a vida má é simplesmente a morte da alma, então Ivan viveu a morte em vida.”

DOMÍNIO PÚBLICO. O livro de Tolstoi, em domínio público, tem diferentes edições e traduções. Lucas Lima leu a traduzida por Boris Schnaiderman, um dos grandes responsáveis pelo boom da literatura russa, e do ensino do russo no Brasil. O livro tem apenas 96 páginas e foi lançado originalmente em 2006. Irineu Franco Perpetuo traduziu o texto para a Hedra (disponível em audiolivro).

Nas redes sociais, tradutores e leitores de literatura russa brincaram dizendo “ainda bem que ele não leu Sonata de Kreutzer”. A sinopse: “Uma narrativa de caráter alucinatório sobre a infidelidade no casamento, contada sob a perspectiva de um assassino. Publicado em 1891, o livro investiga o desequilíbrio nas relações entre homens e mulheres e a hipocrisia que reveste o comportamento sexual na sociedade”.

Mas voltando à obra que Lucas Lima leu. Além de boas traduções, o leitor encontra nas livrarias uma adaptação para HQ, feita por Caeto. Aurora Bernardini, tradutora e professora da USP, comentou essa edição no Estadão, em 2014. Ao falar do enredo do livro, ela cita “os colegas oportunistas, a mulher rabugenta que, mal enviuvada, passa logo aos ‘assuntos práticos’, a filha preocupada apenas em arranjar um marido e… a própria vida de Ivan Ilitch, cujo vazio ele tenta expiar com a ‘verdade’ dessa evocação à espera da morte, que tarda a chegar”.

E vai além: “Movido pelo afeto instintivo do humilde mujique Guerássim, que cuida de Ivan Ilitch, este passa a ver que existem outras verdades: também há aspectos positivos na mulher, nos filhos, nos que lhe são próximos e sente pena deles, sente amor”.

Há, portanto, também um sentimento de união. “Ivan Ilitch sente-se unido aos seus e, finalmente, ‘procura o seu habitual medo da morte e não o encontra… em lugar da morte, havia luz’”, finaliza a professora.

A seguir, o trecho final da novela: “Terminou!” – disse alguém, acima dele. Ele ouviu aquelas palavras e as repetiu, no seu íntimo. “A morte terminou”, falou consigo. “Ela não existe mais.”

Puxou o ar para dentro de si, parou no meio da respiração, esticou-se e morreu.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.