20/08/2021 - 14:01
É preciso escolher bem as palavras ao escrever sobre o Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Entre tantas qualidades e realizações acadêmicas, seu currículo traz um item perigoso: o costume de entrar na Justiça contra quem o critica. Ingressou no TRF-1, por exemplo, com uma queixa-crime contra um jornalista que o comparou a um “cão de guarda” de Jair Bolsonaro. Em outro caso, um professor da USP que havia lhe chamado de “Poste-Geral da República” e “servo do presidente” em um artigo de jornal também foi alvo de processo – este rejeitado pela Justiça, felizmente.
Eu nunca escreveria que Augusto Aras é um “cão de guarda” de Bolsonaro, muito menos que ele é um “Poste-Geral da República”. É possível, no entanto, fazer uma simples constatação lógica: o PGR tem um conceito bastante flexível da aplicação das leis. Dizer que ele é um “poste”, segundo Aras, configura calúnia e difamação. Ameaçar a vida de um juiz da Suprema Corte do País, para o mesmo Aras, é “liberdade de expressão”.
Para não ficar dúvida sobre a diferença de atitude diante dos dois casos, é indispensável recorrer ao texto do Código Penal, mais especificamente, ao artigo 147, que descreve o crime de ameaça: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena de detenção, de um a seis meses, ou multa.” O deputado Roberto Jefferson fez ameaças públicas a um juiz do Supremo Tribunal Federal. Isso não é uma questão de opinião, é uma realidade incontestável. Afinal, Jefferson divulgou publicamente cujo conteúdo transcrevo aqui: “(…) o que é pessoal, pessoalmente se resolve, e a vida vai nos colocar frente a frente para que pessoalmente nós possamos resolver esse problema, se Deus quiser”. Isso é uma ameaça sob qualquer ponto de vista, opinião ou interpretação, ainda mais vinda de um homem que costuma postar vídeos carregando pistolas e armamento pesado.
O que nos traz duas opções excludentes. 1. Augusto Aras não conhece a legislação; 2, Augusto Aras não sabe reconhecer uma ameaça. Em qualquer um dos casos, estamos perdidos.
O Procurador-Geral da República é o representante da sociedade perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A indicação de um dos nomes da lista tríplice do MPF ao cargo deve ser mandatória, imediatamente. Para fazer valer a independência institucional necessária para a manutenção da ordem pública, é imprescindível que o presidente indique um nome entre os apontados na lista tríplice de candidatos. Poder escolher livremente qualquer candidato, sem a exigência de um critério objetivo, coloca em risco a própria credibilidade da função de PGR.
Por indicação do presidente Jair Bolsonaro, Augusto Aras pode ser reconduzido ao cargo. Sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado acontecerá na próxima terça-feira 24. Em junho, a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) elegeu a lista tríplice com as sugestões do Ministério Público para a indicação novo PGR. Aras não constava da lista. Pela lei, o presidente Bolsonaro não é obrigado a indicar um dos nomes da lista. Pelo bom senso, deveria ser. Para o bom funcionamento das instituições, é preciso que o Senado rejeite o nome de Augusto Aras na sessão de terça que vem e regulamente, com urgência, uma legislação que obrigue o líder do Executivo a indicar um PGR dentro da lista tríplice oferecida pela ANPR. É a única maneira de garantir para a sociedade que o presidente não escolherá alguém apenas por ele estar alinhado com suas ideias.