Em uma disputa com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado votará um projeto que transformará em lei o marco temporal, princípio que só permite demarcação de terras indígenas ocupadas até 1988, ano da promulgação da Constituição. Nesta quarta-feira, 20, o STF vai em direção oposta e retoma julgamento que pode derrubar a tese que define uma data limite para criação de reservas.

O texto, que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, proíbe a ampliação de terras indígenas.

Pela proposta dos senadores, uma área só pode ser demarcada se as comunidades indígenas estavam no local antes de 1988. É preciso ainda atestar que o ocupantes são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes das tribos.

No caso do julgamento no STF, a maioria dos ministros até agora entendem que não existe esse marco de ocupação até 1988 para demarcar uma reserva.

A PEC também permite a instalação de bases, unidades e postos militares nos territórios independentemente de consulta às comunidades, indeniza as benfeitorias “de boa-fé”, isto é, aqueles que ocuparam um território antes da demarcação.

A previsão é que o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), que emitiu parecer favorável ao tema, leia o relatório e o submeta a votação nesta quarta-feira. A pauta é defendida por parlamentares ruralistas, como o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR).

Para o relator, o STF só poderia se pronunciar sobre o tema quando sancionada a lei. Enquanto a discussão estiver no Congresso, afirma Rogério, a Corte não pode intervir. “São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o Parlamento não poder legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel”, disse. “Tem que haver um questionamento depois dela (a lei) sancionada, e aí o Supremo julgar. Se julgar inconstitucional, é outro cenário.”

Em audiência pública no Senado, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, disse que não houve consulta prévia aos povos indígenas para elaboração do projeto em tramitação no Congresso.

“A depender do resultado, isso pode causar uma insegurança jurídica tanto para os indígenas, mas também para os não indígenas. Uma vez que você retroage, você causa insegurança jurídica”, disse.

O projeto foi aprovado na Câmara em maio, por 283 votos a 155, sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas, que chamaram a proposta de “assassina”. As queixas motivaram a reação do PL e do PP, que apresentaram queixas no Conselho de Ética contra deputadas do PT e PSOL.

Os articuladores da proposta, inclusive o relator, argumentam que o marco temporal precisa vigorar para garantir justamente a segurança jurídica aos donos de imóveis e de terras.

“Não se pode aceitar que, trinta e cinco anos após a entrada em vigor da Constituição, ainda haja celeuma sobre a qualificação de determinada terra como indígena, gerando riscos à subsistência e à incolumidade física de famílias inteiras”, argumentou Marcos Rogério.

No STF, o placar da votação está em 4 a 2 contra o marco temporal. O dois votos favoráveis foram de André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Há resistência ao texto do projeto no Senado e, por isso, a previsão é que a votação entre os senadores aconteça apenas na próxima semana.

Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, o marco temporal pode inviabilizar a demarcação de 114 territórios indígenas em 185 municípios brasileiros. Se os 114 processos de demarcação fossem concluídos, o impacto na quantidade de terra exclusiva dos povos originários não seria tão grande – em vez dos atuais 14% de todo o território brasileiro, os indígenas passariam a ocupar 15% da área total do Brasil.

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.