O fim do “espaço extra” no teto de gastos (a regra que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior) obrigou o Poder Judiciário a iniciar 2020 com corte de despesas. Só em janeiro, os gastos caíram R$ 84 milhões em relação a igual mês de 2019, queda de 2%. Mesmo assim, mantido esse ritmo, a Justiça precisará afiar ainda mais a tesoura para evitar o descumprimento da regra.

Pela previsão legal, os gastos do Judiciário federal deste ano precisam cair 2,2% ante 2019. Os maiores ajustes têm de ser feitos pela Justiça do Trabalho, que vem cortando até estagiários para se adequar a um orçamento R$ 1 bilhão menor, e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

De 2017 até 2019, o Executivo podia ceder 0,25% de seu limite de gastos para que os demais poderes não estourassem o teto. Essa benesse foi concedida para cobrir reajustes salariais que entrariam em vigor ao longo daquele período. No ano passado, por exemplo, juízes tiveram aumento de 16,38% para compensar a restrição do auxílio-moradia.

A partir deste ano, porém, essa compensação acaba, e os órgãos contarão apenas com seu limite para cumprir o teto. Quem desrespeita o instrumento está sujeito a sanções e pode ser proibido de conceder reajustes, criar cargos, alterar estrutura de carreira, contratar pessoal e realizar concursos públicos.

Mas a maioria dos órgãos ainda precisa de esforço maior. À exceção da Justiça Militar da União, todos os demais membros do Judiciário, mesmo os que conseguiram reduzir gastos, executaram em janeiro uma fatia maior do que a média mensal esperada para o cumprimento do teto de gastos. A Justiça Federal, por exemplo, teve despesa equivalente a 10,1% de todo o limite. E, mesmo entre os que podem elevar o gasto, o aumento tem ocorrido em ritmo mais veloz que o permitido, como são os casos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Justiça Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na avaliação do subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Tesouro, Pedro Jucá Maciel, o aperto nesses órgãos ocorrerá a partir de agora. Ele lembrou que muitos deles concederam nos últimos anos reajustes que já estavam acordados antes de a regra do teto entrar em vigor. Agora, essa pressão deixará de existir.

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“Cerca de 80% das despesas desses órgãos são com pagamento de pessoal. Com o fim da política de reajustes a partir deste ano, os órgãos devem recuperar cada vez mais espaço para despesas de custeio e investimento”, afirmou Maciel, na última divulgação dos resultados fiscais do governo.

A Justiça do Trabalho informou que houve, em janeiro, grande pagamento de férias e da primeira parcela de 13º salário para servidores e magistrados. Segundo o órgão, o resultado do mês “não representa a média de gasto para o exercício”. Justificativa semelhante foi dada pela Justiça do Distrito Federal e Territórios, que apontou queda de 7% nos gastos em fevereiro. “Não haverá necessidade de ações adicionais de ajuste”, disse o órgão.

O STJ informou que o pagamento de despesas de anos anteriores impactou a execução de seu Orçamento em janeiro, mas disse que o ritmo de gastos desacelerou em fevereiro. “O total acumulado em janeiro e fevereiro ficou em 15,92%, abaixo da expectativa para o período, de 16,67%”, informou o órgão. A corte afirmou que tem investido em revisão de contratos e substituição de serviços para economizar recursos.

O CNJ, que teve aumento de 42,6% nas despesas em relação a janeiro de 2019, afirmou que o resultado expressivo é explicado pela quitação de despesas de anos anteriores, os chamados restos a pagar. “A administração mantém o controle de gastos. A projeção dos pagamentos mensais está abaixo do limite”, declarou.

No ano passado, logo após o envio da proposta orçamentária de 2020, a Justiça Federal alertou para o risco de dificuldades decorrentes do espaço menor para gastos. Tanto o órgão quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) informaram adotar, desde o ano passado, medidas para reduzir despesas, como redução de contratos, materiais e automação de processos de trabalho. Os demais órgãos não responderam até a publicação desta reportagem.

O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, avalia que o Poder Judiciário cometeu um “equívoco” ao seguir concedendo benefícios e vantagens para seus servidores. Para ele, é provável que parte desses órgãos descumpra o teto já neste ano, acionando uma série de gatilhos, como o fim de reajustes e novas contratações.

“Resta saber como vai se dar esse descumprimento e quem vai fiscalizar aplicação dos gatilhos. O Tribunal de Contas da União (TCU) vai precisar se pronunciar. O Executivo, até agora, não deu um norte para isso. A reforma administrativa poderia ajudar a direcionar essa questão”, afirmou Salto.

O analista de finanças públicas da consultoria Tendências, Fabio Klein, lembra que o Orçamento de 2020 foi construído respeitando o teto de gastos de cada poder. Os órgãos, portanto, devem receber recursos já nos limites de execução, o que pode levar a problemas como a paralisação de algumas repartições.

“O grande desafio é atingir o resultado desenhado para o ano, já que a maior parte dos gastos desses órgãos é com pagamento de pessoal. Não há como retirar benefícios já existentes, e nem como um tribunal parar de funcionar. Há um grande potencial para a judicialização sobre a aplicação desses limites”, disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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