Ídolo no futebol, Daniel Alves agora serve de exemplo com relação ao rigor das penas para crimes de violência contra a mulher. Em 20 de janeiro, o brasileiro de 39 anos foi preso na Espanha, acusado de estuprar uma jovem de 23 anos na boate Sutton, em Barcelona, em 30 de dezembro. Em depoimento, a vítima diz que foi trancada em um banheiro, agredida e forçada a fazer sexo. O jogador se sentou em um vaso sanitário e a obrigou a ficar em seu colo. Ela ainda tentou resistir, mas foi jogada no chão e coagida ao sexo oral. Tudo durou 15 minutos. Imagens das câmeras internas mostram que, por volta das 4h da madrugada, ela foi ao local e o atleta entrou em seguida. Após a ocorrência, a jovem foi vista chorando por um garçom, que acionou um protocolo de segurança para suspeitas de abuso sexual. Encaminhada para um hospital, exames médicos descrevem lesões e líquido seminal na vítima, que fez a denúncia em 2 de janeiro e hoje faz tratamento antiviral. “Não foi utilizado preservativo”, informou Ester García López, sua advogada.

Diante da queixa, o lateral-direito falou tranquilamente sobre o escândalo para um canal europeu que “sequer conhecia a senhorita”, o que repetiu à polícia. Depois, foi sozinho prestar depoimento a uma juíza e caiu em contradição ao dizer que a relação teria ocorrido de forma consensual. Ao ouvir a moça e analisar as provas, a magistrada ordenou a prisão preventiva de Alves, sem direito a fiança.

Na Espanha, o agora ex-jogador do Pumas (o clube mexicano rescindiu contrato com o brasileiro) encara a nova Lei da Liberdade Sexual, conhecida como “Solo sí es sí” (Só sim é sim), que exige a necessidade do consentimento sexual. A norma, em vigor desde outubro último, surgiu após o caso La Manada, em que cinco homens estupraram uma garota de 18 anos e foram condenados por abuso sexual, mas não por estupro, o que resultou em uma série de protestos. Agora, pelo rigor da nova lei, o jogador pode ficar até dois anos em prisão preventiva e, se condenado, pegar 12 anos.

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Rigor da lei

“Essa ação mostra que ninguém está acima de nada. Qualquer pessoa que cometer um crime sexual, seja pobre, rica, influenciadora ou celebridade, está sujeita às leis”, analisa Gabriela Manssur, presidente do Instituto Justiça de Saia. “Isso é importante para a mulher romper obstáculos como medo de perseguição ou represália, e falta de crença no Poder Judiciário e na polícia. Assim mostramos que se tem justiça. As penas são altas e as mulheres têm voz.”

A situação de Daniel Alves se complica a cada dia. Consta na investigação que a espanhola descreveu com precisão uma tatuagem íntima do esportista. Uma amiga, um porteiro, um garçom e o gerente da boate estão no rol de testemunhas. Ele virou alvo da Federação Catalã de Associações de Atividades Recreativas e Musicais, que representa discotecas e bares e pede “punição exemplar”.

“Ela está com apoio psicológico. E o hospital prescreveu tratamento para evitar doenças
infecto-contagiosas, porque não foi usado preservativo” Ester García López, advogada da vítima

Especialistas avaliam que o episódio é um exemplo a ser seguido, quanto à agilidade dos órgãos e, principalmente, pelo valor dado à palavra da vítima. Para Euro Bento Maciel Filho, advogado especializado em Direito Criminal, manter Alves na penitenciária faz sentido. “A prisão preventiva resguarda o processo. Como cidadão estrangeiro, pode-se entender que, em liberdade, não ficaria no país”, explica. Gustavo Badaró, professor na Faculdade de Direito da USP, comenta: “No Brasil, os crimes sexuais abrem discussões sobre comportamento da mulher. Exemplo: ‘Tenho aqui um homem sem antecedentes e de boa reputação. E essa senhora? Ela sai com todo mundo’, ou ‘Essa menina com essa saia curta…’. Ainda há uma posição machista nos nossos tribunais”.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2022 uma menina ou mulher foi estuprada a cada nove minutos, mas as leis de proteção da mulher evoluem. “Temos quatro tipos penais no Brasil: estupro mediante violência ou grave ameaça, estupro de vulnerável, assédio sexual no trabalho e ato de importunação sexual”, destaca Gabriela Manssur. “Essa radicalização aniquila os sentimentos de impunidade na sociedade”. Para Acacio Miranda, mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, na Espanha, há muito a ser feito: além de alterações no código, é preciso progredir nas questões culturais e educacionais. “A legislação é a última esfera, quando todas as outras falham. A mudança dela, isoladamente, não resolve problemas. É necessário transformar a estrutura social”, finaliza.