Nos anos 90, o jornalista Sérgio Sá Leitão conseguiu se destacar entre os nomes da nova geração que chegou às redações do Rio de Janeiro e de São Paulo. Com o tempo, porém, abandonou as reportagens para se dedicar a atividades executivas no setor cultural. No primeiro governo Lula, foi chefe de gabinete do ministro Gilberto Gil. Depois participou da criação da área de economia da cultura do BNDES, até assumir uma diretoria na Ancine em 2007. Em 2008, a convite do prefeito Eduardo Paes, tornou-se presidente da Riocine. Graças ao currículo, ele assumiu o comando do Ministério da Cultura em julho do ano passado. E, aos 50 anos, não esconde que pretende deixar sua marca no cargo. “Temos um plano ambicioso de transformar o Brasil em uma das cinco maiores indústrias audiovisuais do mundo em dez anos”. Na visão do ministro, “o Brasil pode se tornar na cultura, no século XXI, o que os Estados Unidos se tornaram no Século XX”. Para que isso aconteça, defende mudanças na Lei Rouanet, que completou 26 anos. “Vamos trabalhar no Congresso para atualizar a lei. Sem ela, seríamos um país muito mais pobre e infeliz”.

É correto afirmar que o Ministério da Cultura é o primo-pobre dentro do Executivo?

Essa é uma imagem que não diz respeito só ao Ministério da Cultura, mas à própria área cultural como um todo. Infelizmente, no poder público e na sociedade, ainda persiste uma imagem equivocada de que a cultura, e por tabela o Ministério, são coitadinhos. E muitas vezes, a própria cultura e o próprio Ministério se colocaram nessa posição, o que eu considero um equívoco. Está na hora de mudar a maneira como se encara a cultura no Brasil.

O que é preciso fazer?

É preciso encarar a cultura como uma área que contribui imensamente para o desenvolvimento do País e que já tem um peso econômico e social muito forte: 2,64% do PIB, um milhão de empregos diretos, sem contar os indiretos, 260 mil empresas e instituições, o que coloca a cultura entre as dez maiores atividades econômicas do País. É um setor no qual o Brasil tem uma vocação muito grande e um potencial de crescimento impressionante. O Brasil pode se tornar na cultura, no século XXI, o que os Estados Unidos se tornaram ao longo do século XX. Temos aqui as mesmas condições: altíssimo grau de diversidade cultural e um mercado consumidor muito forte.

Dentro dessa visão, qual é o papel do Estado?

A cultura, essencialmente, é algo que cabe à sociedade civil. O papel do Estado na cultura tem que ser o de estimular, fomentar e promover as atividades culturais, sobretudo com viés econômico, levando em consideração os benefícios que a cultura, enquanto economia, gera para a sociedade, na forma de renda, emprego, etc. Como em qualquer outro setor estratégico da economia, faz sentido que haja investimentos por parte do governo, seja de forma direta ou por incentivo fiscal. Mas isso deve ser feito dentro de uma estratégia de estímulo ao desenvolvimento sustentável, para que haja redução progressiva da participação do Estado, diminuindo o grau de dependência das atividades culturais com o governo. O ideal é que, aos poucos, a cultura possa caminhar sozinha.

Mas hoje os recursos da Lei Rouanet ainda são de vital importância?

Já há, no Brasil, uma parcela significativa do setor cultural que não depende direta ou indiretamente do Estado para nada. Por exemplo: uma parcela grande do segmento de música, de audiovisual, do mercado editorial, da moda, do design, da convergência digital e do encontro entre cultura e tecnologia. São diversos segmentos que, em grande parte, crescem exponencialmente por conta própria, sem que haja nenhum tipo, ou muito pouco, de apoio do governo. Há outros, porém, que apresentam potencial de crescimento grande, mas que ainda precisam de um empurrão, seja por meio do incentivo fiscal, do fomento direto ou de crédito via BNDES. Alguns exemplos são as artes cênicas, uma parte do audiovisual, e o cinema pelo custo de produção.

O cinema brasileiro já não teve mais espaço no exterior?

No caso da cultura, há sempre duas dimensões, a de prestígio e a de mercado. Já houve momentos no passado em que o cinema brasileiro teve uma presença maior em termos de prestígio. Mas em termos de mercado, não. Hoje, nossa produção para televisão tem um alcance no mercado internacional bastante grande. Há cada vez mais séries, de animação, ficção ou documentais, que têm sido vendidas para o mundo inteiro e alcançado grande sucesso. Do ponto de vista de prestígio, talvez seja verdade mesmo, já tivemos outros momentos em que o cinema, ou o audiovisual brasileiro, já esteve mais em evidência.

E do ponto de vista de mercado, qual é a realidade?

Em termos comerciais, de mercado, vivemos um momento excelente. O mercado brasileiro é tão grande, com uma massa de consumo tão forte, que a nossa primeira fronteira é o mercado interno. No caso da TV aberta, temos uma presença dominante do conteúdo nacional. Nas plataformas online, como Youtube, também temos uma presença muito expressiva dos produtores nacionais de conteúdo. Já o mercado de TV paga se estabeleceu no Brasil como reprodutor de programação estrangeira. Isso começou a mudar com a lei que estabeleceu um marco regulatório para o setor com as cotas de conteúdos e canais nacionais na TV paga. Hoje, já há canais estrangeiros exibindo conteúdos nacionais em patamares acima dos exigidos pelas cotas. Em breve, as cotas poderão se tornar desnecessárias.

O que pode ser feito em relação aos setores culturais mais frágeis?

Há uma parcela da cultura que sempre precisará de alguma forma de estímulo e proteção por parte do Estado. Por exemplo, o patrimônio histórico e cultural, seja material ou imaterial. Se o Estado não cuidar disso, dificilmente o mercado conseguirá cuidar, porque não é da lógica do mercado, cujo vetor principal é a inovação. Mas ninguém há de negar a importância de se preservar as tradições culturais. Então, temos exigido que os projetos de restauração de patrimônio histórico tenham um programa de uso posterior, sobretudo que eles abriguem empreendimentos culturais ou de outras áreas para assegurar que haverá cuidado e preservação do imóvel. As políticas culturais não podem apenas fomentar a oferta, mas precisam, também, estimular a demanda. É a demanda que cria o mercado e as condições para que a oferta se potencialize.

Como o Estado pode fomentar e estimular a demanda?

Se a gente olhar para o exemplo dos Estados Unidos, existem três vetores por trás do sucesso da economia criativa por lá. Um deles é algo que nós temos em comum, que é o grau de diversidade e da potência da cultural local. Só o Brasil consegue rivalizar com os Estados Unidos nesse quesito. Mas, então, como os Estados Unidos conseguiram criar indústrias culturais fortíssimas? É porque a mentalidade empreendedora nos EUA é muito mais forte que no Brasil. Outro ponto é o modelo educacional. A escola americana, desde o ensino fundamental, estimula os alunos a fazerem atividades culturais e esportivas. Mas não como algo secundário ou opcional, é parte integrante e indispensável do modelo educacional. Assim como a criança americana tem que ir para a aula de matemática ou geografia, tem que ir, também, para a aula de música. Assim você forma a demanda e a oferta. De cada dez jovens que fazem esporte ou cultura na escola, digamos que um se torne artista ou atleta. Mas os demais viram consumidores e aí você criou o mercado. É o projeto que defendo à frente do Ministério da Cultura.

Esse projeto já está sendo trabalhado?

Sim, eu já apresentei o projeto ao Ministro da Educação, Mendonça Filho, que concordou em gênero, número e grau, e se colocou à disposição para trabalharmos nisso. Desde então, temos conversado para ver de que forma podemos implementar o projeto. Mas estamos falando de uma mudança de paradigmas, de uma mudança de modelo. Mesmo nas escolas privadas no Brasil não há esse modelo. Normalmente, as atividades esportivas ou culturais são oferecidas como um extra e você ainda tem que pagar. Muitas vezes, a atitude dos pais é a de inscrever os filhos apenas para ocupar tempo. Um pai que só pode pegar o filho na escola às 7h, e não pode pegar às 6h, então deixa o filho fazendo uma atividade cultural ou esportiva. É importante ressaltar que as atividades culturais e criativas dão ao governo muito mais que o governo dá a elas.

Em que sentido exatamente?

Só em impostos diretos federais, essas atividades geram R$ 10,5 bilhões para uma renúncia fiscal de R$ 1,25 bilhão, sendo R$ 1,15 bilhão de renúncia fiscal para a Lei Rouanet e R$ 100 milhões para a Lei do Audiovisual e o Recine. Até o presidente Temer me falou: “Estamos no azul na cultura”. Tem vários incentivos fiscais em outros setores por aí que não geram o resultado que gera a cultura.

Há previsão de novas mudanças na Lei Rouanet?

Nós já cortamos pela metade a quantidade de artigos da lei e reduzimos a burocracia. É algo que tem um impacto direto no uso do instrumento, para reduzir a desigualdade do setor. O Estado no Brasil é um grande produtor de desigualdades. E isso acontece, muitas vezes, pelo excesso de burocracia. Simplificar a Lei Rouanet já foi um passo importante para ampliar a eficácia do instrumento. A Lei Rouanet foi criada há 26 anos e tem uma longa lista de bons serviços prestados à cultura brasileira. Foi um modelo copiado em inúmeros países. Em 26 anos, foram R$ 16,5 bilhões aportados na economia criativa. Cerca de 50 mil projetos realizados. Tenho absoluta certeza de que seríamos um País muito mais pobre e infeliz não fosse a Lei Rouanet. Agora, vamos trabalhar junto ao Congresso para atualizar a lei.

Quais serão as principais mudanças?

Queremos acabar com a discriminação a alguns segmentos culturais e também incentivar o financiamento coletivo de projetos culturais através do chamado crowdfunding. Mas tão importante quanto as mudanças que estamos planejando para a Lei Rouanet, com amplo debate junto à sociedade, é a questão dos recursos da Loteria. O presidente me deu aval e já estamos elaborando uma minuta de projeto de lei para que os 3% da receita da Loteria destinados à Cultura sejam repassados diretamente pela Caixa Econômica para projetos culturais. Serão R$ 350 milhões, o maior programa de fomento direto já realizado no Brasil. Além disso, também planejamos uma mudança grande no setor de audiovisual. Vamos lançar as primeiras linhas dessa grande transformação em janeiro. Temos um plano ambicioso de transformar o Brasil em uma das cinco maiores indústrias audiovisuais do mundo em dez anos. Isso é perfeitamente possível.