O preparo dos professores está novamente no centro de uma discussão. Um recente levantamento encomendado pela ONG Todos pela Educação chegou a um resultado preocupante: a maioria dos educadores admite que os atuais cursos de formação não os preparam bem para a sala de aula. Na pesquisa, 56% afirmam não terem recebido orientação específica em seu primeiro ano de docência e apenas 19% concordam que as atuais graduações de Pedagogia e licenciaturas estão qualificando bem os novatos para o início da profissão. O problema é maior quando o assunto são os cursos a distância, pois 84% defendem que o formato presencial é o que forma docentes mais bem preparados, e não o EAD. É a prova de que aprender a ensinar é uma lição difícil e requer atenção do Ministério da Educação.

A apuração foi encomendada ao instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, em parceria também com o Itaú Social, o Instituto Península e o Profissão Docente. Entre julho e dezembro de 2022, foram ouvidos 6.775 professores de escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio de todo o Brasil. “O importante dessa pesquisa é o fato de que não são especialistas que estão dizendo que há um problema na formação inicial dos professores. São os próprios educadores que estão em sala de aula dizendo: ‘não estamos sendo bem preparados para exercer o ofício’. Um alerta mais forte do que esse não me parece existir”, considera Olavo Nogueira Filho, diretor do Todos pela Educação. “Isso traz, com muita ênfase, um dos principais desafios para esse novo Ministério enfrentar. Se não tivermos professores bem preparados e motivados para o trabalho, dificilmente conseguiremos fazer uma transformação significativa nos próximos anos”, diz o diretor da ONG.

A professora Gisele Malta Martins, de 50 anos, que integra a equipe da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na zona norte da capital paulista, recorda os primeiros anos na carreira. “O desafio do formado é, realmente, não ter a prática e não saber lidar com uma sala”, narra. “A minha formação, por exemplo, é Língua Portuguesa. Tive aulas de Língua Portuguesa e da origem da Gramática, mas a prática da educação não tive. Faltou essa ligação da ação com o teórico.” Para ela, é preciso um reforço aos chamados estágios supervisionados com acompanhamento da coordenação. “Ninguém sai preparado para o exercício de uma profissão até estar nela de verdade”, reforça Gisele. Especialistas defendem o contato presencial com a escola e aluno. O formador Ademir Benedito dos Santos Junior, da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo, observa que o saber ensinar exige a execução da teoria. “Se tivéssemos mais laboratórios, oficinas e parcerias entre as universidades e escolas, certamente as condições necessárias para o futuro professor seriam criadas”, diz. “Se o estudante de licenciatura tivesse momentos para exercer a regência da sala, ele teria uma compreensão melhor de como trabalhar conteúdos curriculares, por exemplo. Daí, sim, a formação dele em relação ao currículo seria menos generalista”.

FORMAÇÃO Gisele Malta Martins defende o estágio supervisionado: profissional da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na capital paulista (Crédito:Divulgação)

Na pesquisa, mestres também admitiram dificuldade ao lidar com o desinteresse dos estudantes pelas aulas (31%) e a indisciplina (18%). A pesquisadora Priscilla Tavares, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, aponta que isso é outro indicativo de que a grade da graduação é míope. “Ser professor não é apenas transmitir conteúdo, é engajar e motivar. Tudo isso são características que o docente deveria ter e ele pode aprender.” Isso reflete um passado recente da professora Rosangela Jacob, 50, que enfrentou percalços em uma unidade pública de Paraisópolis. Em 2009, recém-formada em Letras, ela queria inserir os alunos na Literatura. “Tive dificuldades, pois eles precisavam se interessar. Acabei associando a uma coisa que faziam muito naquela época: o rap, que é pura poesia”, recorda. “O projeto caminhou bem, e eles escreveram incríveis rimas. Associamos Geografia e História para falar sobre democracia. Isso foi uma percepção minha, mas deveria ter sido discutido na formação”, exemplifica. Após dez anos no setor público e hoje com doutorado em Educação e Saúde pela UNIFESP, Rosangela migrou para a rede particular como diretora da Escola Lumiar, em São Paulo. Essa é outra consequência observada no setor, que carece de valorização segundo Ítalo Francisco Curcio, pós-doutor em Educação e professor convidado da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “A maior parcela dos professores bem formados acaba sendo absorvida pelas instituições privadas, que oferecem melhores salários e condições de trabalho em comparação às da rede pública”, considera.

A escuta feita com docentes reforça a necessidade de políticas específicas no âmbito federal. Às secretarias de Educação fica o cuidado para o investimento na formação continuada. Afinal, entre aluno e professor, a troca é constante. É preciso ensinar e aprender em conjunto. Um dado confortante da pesquisa é que oito em cada dez entrevistados responderam que se pudessem decidir novamente, escolheriam ser professores de novo. “É relevante não desvalorizar o compromisso que a grande maioria tem com o ofício”, enaltece Olavo Nogueira Filho.