Um a um, moradores buscam hidratação em um cano de água fresca no alto da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, na tentativa de suportar a recente onda de calor agravada pela falta de energia elétrica.

Há vários dias, grande parte da região central e sudeste do país sofre com temperaturas elevadas e atípicas para a primavera, com sensações térmicas de até 59,3ºC, marca que foi registrada no Rio de Janeiro na sexta-feira (17), um recorde desde o início das medições em 2014, segundo o Alerta Rio.

Especialistas reconhecem que os efeitos são mais agudos nos bairros mais pobres, com elevada densidade populacional e habitações precárias separadas apenas por passagens estreitas.

“É muito quente, agoniante, a luz faltando toda hora, sem água. Aqui graças a Deus não faltou ainda. Daqui pouco vai acabar”, contou à AFP Renato de Oliveira, um vendedor de 44 anos, após se refrescar com uma mangueira.

– “Uma sauna” –

Dentro das casas, sem isolamento térmico e mal ventiladas, a situação só piora. Isso “gera uma sensação de sauna”, diz André Cândido, morador da Rocinha.

Sob o sol quente do meio-dia, vários pedreiros suados combatem as altas temperaturas “bebendo muita água” e tomando banho de mangueira quando podem, conta Kleber Vital, um desses trabalhadores.

Nem mesmo a noite dá trégua, devido à falta de energia elétrica, o que obriga Kleber a dormir com as portas e janelas abertas.

Os moradores da Rocinha vivem em casas baixas, com pequenas janelas e telhados metálicos, “realmente não são adequadas para uma condição de muito calor”, analisa Denise Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Durante a semana, moradores protestaram contra os cortes de energia, que alguns dizem estar relacionado ao aumento do consumo e ao desordenado crescimento desta comunidade.

Teias de cabos pendurados em postes de fiação pública mostram conexões elétricas informais no local.

Nem mesmo “um ventiladorzinho para poder amenizar muitas pessoas não estão podendo nem ligar porque não tem luz”, lamenta André Cândido.

Benedito de Freitas, um marceneiro de 68 anos, conta que as falhas elétricas causam “muito sofrimento”, citando casos de crianças e idosos que adoeceram com o calor ou passaram fome devido aos alimentos que estragaram em geladeiras inutilizadas pela falta de luz.

Alguns sobem até o topo do morro, uma área arborizada mais ventilada, para buscar água ou tomar banho sob a água doce que sai de um cano em meio à folhagem. “Essa fonte aqui é uma bênção”, diz Benedito.

– Adaptação ao calor extremo –

Nos últimos meses, o Brasil tem vivido o impacto das condições climáticas extremas que os especialistas atribuem ao aquecimento e ao fenômeno El Niño: altas temperaturas, uma seca histórica no norte e chuvas intensas acompanhadas de ciclones no sul do país.

Adaptar as comunidades ao calor extremo é uma “tarefa para um século para o Brasil”, segundo Denise Duarte. Mas as autoridades poderiam começar construindo grandes espaços públicos que sirvam de abrigo em momentos críticos, diz ela.

A médio prazo, poderiam ainda “rearranjar” as casas em edifícios de altura média para comportar várias famílias e assim liberar espaço para plantar árvores, acrescenta.

Mas nas favelas íngremes do Rio, isso também apresenta seus próprios desafios.

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