Em seu primeiro teste de fogo, o presidente da República, Michel Temer, atuou como manda o figurino. Houve, até no próprio governo, quem não apostasse no desenlace adverso para o então ministro do Planejamento, Romero Jucá, devido à proximidade com Temer e sua relevância política. Mas Temer demonstrou comprometimento com a Lava Jato – , embora ele tenha se descuidado na hora de nomear alvos de investigação para o primeiro escalão. Ao exonerar um dos integrantes da trinca de ouro de seu governo, ao primeiro cheiro de malfeito, o presidente agiu com a velocidade que a gravidade do tema impunha: a gravação tornada pública, semana passada, em que Jucá falou com Sérgio Machado, ex-Transpetro, sobre a necessidade de um pacto para conter as investigações.

A maneira de lidar com o deslize ético de um expoente de sua gestão contrastou com práticas levadas a cabo pela antecessora, Dilma Rousseff. A diferença de comportamento foi abissal. Enquanto a petista nem cogitou afastar o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, quando este foi flagrado em gravações tentando comprar o silêncio de um delator da Lava Jato, no caso o ex-líder do governo, Delcídio do Amaral, Temer não esperou nem 24 horas para decidir limar da Esplanada um importante aliado, dotado de influência no Congresso para interferir, por exemplo, nos derradeiros votos do impeachment da presidente afastada. Com todo formalismo, que lhe é peculiar, Temer, logo pela manhã, assim que a notícia começou a circular em Brasília, chamou Jucá no Palácio do Jaburu e cobrou explicações. Acertaram que o ministro daria uma entrevista para apresentar sua versão. “Terá de ser convincente”, exigiu o presidente.

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A performance de Jucá ante os holofotes frustrou as expectativas. O então ministro insistiu que a reportagem havia retirado sua fala de contexto e foi categórico ao afirmar que “sangria” e “pacto” eram expressões usadas para designar a tentativa de tirar o País do buraco econômico, o que as gravações desmentiam. Jucá insistiu que não pediria demissão do cargo e que essa decisão seria de Temer, pois a nomeação pertencia ao chefe do Executivo. Àquela altura, o presidente já sabia que o então ministro não havia sido convincente o suficiente para mantê-lo no cargo. Mesmo assim, Temer, que acompanhou a fala de Jucá pela televisão, quis ouvir a opinião de alguns de seus principais ministros, como Eliseu Padilha (Casa Civil) e Henrique Meirelles (Fazenda), além de outros conselheiros sem status ministerial. No encontro, foi ponderado que Jucá possuía o perfil que o governo Temer precisava por sua habilidade política, por compreender como poucos as necessidades e anseios dos parlamentares, cultivar uma boa relação com os colegas de Congresso e ser ágil em suas manobras regimentais. Avaliou-se que a demissão representaria uma baixa preocupante em um time carente de tempo para experimentar nomes. Temer, no entanto, preferiu não contrariar uma de suas promessas feitas no discurso de posse.

O presidente já era alvo de críticas por ter escalado Jucá no primeiro escalão, mesmo tendo no currículo ao menos seis inquéritos, tanto por suspeitas de envolvimento em crimes apurados na operação Lava Jato quanto na Zelotes, que investiga a compra de medidas provisórias. Mas mantê-lo no posto depois de apanhado numa conversa constrangedora a caminhar na contramão dos anseios da sociedade seria ainda mais deletério ao País e, evidentemente, ao governo recentemente constituído. Jucá foi, então, aconselhado por Temer a pedir uma licença no mesmo dia do escândalo. Na manhã seguinte, o ministro foi exonerado. Em coletiva, antes do anúncio do novo pacote de medidas econômicas, o presidente encarnou Juscelino Kubitscheck: “Não tenho compromisso com equívoco. Quando houver, reveremos esse fato. Ouvi que o Temer está frágil, coitadinho, não sabe governar…Conversa! Fui secretário de Segurança duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos”, afirmou.

O escândalo envolvendo Mercadante, pego no pulo tentando evitar que Delcídio celebrasse um acordo de delação com a força-tarefa da Lava Jato, teve um desfecho completamente distinto ao do episódio Jucá. “Eu acho que ele (Delcídio) deveria esperar, não fazer nenhum movimento precipitado porque ele já fez o movimento errado. Deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande no País, entendeu?”, questionou Mercadante ao assessor de Delcídio, José Eduardo Marzagão. Ao tratar sobre as dificuldades financeiras da família de Delcídio, o petista sacou a proposta indecente: “Isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa. Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu posso ajudar.” Os diálogos arrasadores não comoveram Dilma. Mesmo diante de um intenso fogo cruzado, sob ameaça de impeachment, a presidente afastada não só não o afastou como nunca nem passou por sua cabeça apeá-lo do cargo. Primeiro por ter seu subordinado em alta conta. Depois, para não retirar dele o famigerado privilégio de foro, confortável refúgio desfrutado por outros 20 ministros investigados de seu governo. Temer deve continuar olhando para Dilma para tirar lições sobre o que não fazer.