Se depender da direção do PSDB, não há nenhuma chance de o partido concorrer com um candidato viável à Presidência em outubro. Nem terá candidato próprio, pela primeira vez desde 1989. E o arquiteto do movimento que está dizimando uma das maiores legendas do País é o seu presidente, Bruno Araújo. O ex-parlamentar liderou a última maquinação para driblar o pré-candidato, João Doria, na terça-feira passada, ao tentar jogar a Executiva do partido contra o ex-governador de São Paulo.
Desde as prévias de novembro, quando Doria foi sagrado candidato com 54% dos votos, batendo o gaúcho Eduardo Leite (45%), Araújo tem se unido a adversários de Doria no partido, como Aécio Neves, o próprio ex-governador gaúcho e o senador Tasso Jereissati, para encontrar formas de minar a candidatura do paulista, que renunciou em março para concorrer ao Planalto. A forma encontrada foi desvirtuar as negociações que o próprio Doria havia conduzido com o MDB e o União Brasil para escolher um candidato comum. O arranjo da terceira via já havia sido esvaziado quando o presidente do União Brasil, Luciano Bivar, se lançou candidato independente e Simone Tebet (MDB) exigiu a cabeça de chapa. Mas os desafetos de Doria tentaram ressuscitá-lo.

NA LUTA João Doria recebeu o apoio de FHC e judicializou a tentativa de “golpe” (Crédito:Claudio Belli)

A estratégia foi criar um critério sob medida para derrubar Doria nessas negociações, e colocá-lo na vice, forçando-o a renunciar. E assim foi feito. Uma pesquisa qualitativa e quantitativa foi encomendada pelos caciques para atestar a maior “viabilidade” de Tebet. Tudo jogo de cena. Nenhuma pesquisa até hoje mostrou a senadora do MDB à frente do paulista. E o critério da “rejeição”, que desfavorece Doria, também não poderia contar a favor de Tebet, já que ela é largamente desconhecida no País. Foi apenas um artifício para tirar Doria da corrida. O autor da pesquisa, Paulo Guimarães, disse que a sondagem mostrou que “o pleito deste ano será a eleição das mulheres” e Doria tinha uma rejeição “monstruosa”. E que a figura “materna e menos afeita a conflitos de Tebet conta a favor dela numa disputa polarizada”. O trabalho não foi exibido nem à equipe de Doria, que tem levantamentos próprios em linha com os grandes institutos, colocando-o à frente da emedebista.

O paulista contra-atacou. Ao perceber a arapuca armada para a última quarta-feira, 18, quando essa pesquisa seria divulgada para sagrar a emedebista, mandou uma notificação extra-judicial a Araújo para comunicá-lo de que as prévias se sobrepõem a qualquer decisão da Executiva. Acusou o comando do partido de “golpe” e de tentar agir no “tapetão”. Teve o apoio público de Fernando Henrique Cardoso, mas isso não demoveu a patota de Araújo. A legitimidade da candidatura Doria é uma obviedade reconhecida até pelos aliados do presidente do PSDB. Daí a reunião na véspera do golpe fatal. Araújo tentou acuar o ex-governador reunindo a maioria dos membros da Executiva contra ele no dia 17. Conseguiu parcialmente. O encontro teve grande repercussão, rendeu várias entrevistas para tentar transformar o próprio pré-candidato em vilão do partido e vários presentes repisaram a tese de que sua candidatura “é inviável”.

Doria evitou a armadilha criada pelos adversários no PSDB se recusando a participar de uma nova reunião marcada para a própria quarta-feira, destinada a pedir um “gesto de grandeza”, que seria sua renúncia. “Sugeri que o Doria ouça de seus aliados que a candidatura dele atrapalha alguns estados”, disse Aécio. “Foi uma reunião formatada para constranger o João Doria e que não reflete o que a militância quer”, disparou o tesoureiro do PSDB, César Gontijo. No fim do dia, os dirigentes do PSDB, MDB e Cidadania reunidos em Brasília declararam que Tebet seria a candidata do grupo, mas postergaram o anúncio oficial.

NA CABEÇA Simone Tebet após torcer o pé: quer se beneficiar com a crise tucana (Crédito:Divulgação)

Alta rejeição

Doria mantém a candidatura, voltou a defender o diálogo e promete uma manifestação na segunda-feira, 23. O seu calcanhar de Aquiles é, de fato, a rejeição, superior a 50%. Mas ela está em patamares comparáveis à de Bolsonaro e Ciro Gomes e não fica distante de Lula (acima de 40%). O ex-governador argumenta, com razão, que ele sempre foi vítima preferencial das milícias digitais bolsonaristas. E problemas como a hiperexposição ou a fama de “elitista” podem ser trabalhados durante a própria campanha. Seu histórico positivo, por outro lado, é inquestionável. Venceu as duas eleições que disputou no maior estado do País, onde o partido é mais forte, e fez uma administração elogiada, que poderá ser explorada até outubro.
Os argumentos contra Doria no tucanato vêm de quem se incomoda com sua ascensão ou se opõe a uma candidatura forte contra Bolsonaro e Lula. Aécio preenche os dois critérios. Abatido na Lava Jato e próximo de Arthur Lira, líder do Centrão e presidente da Câmara, o ex-governador de Minas Gerais vê com simpatia um apoio camuflado a Bolsonaro e também tenta minar a seção paulista da legenda. Nos estados do Sul, os tucanos veem vantagens em se aliar ao atual presidente. Em Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel será candidato a governador em uma aliança com PP e PL. numa chapa bolsonarista que tem a ex-ministra Tereza Cristina como candidata ao Senado. O pré-candidato tucano ao governo da Paraíba, Pedro Cunha Lima, também ensaia uma aliança com Bolsonaro. Nos outros estados do Nordeste, vários candidatos querem integrar o palanque de Lula. Na prática, a legenda já está dividida entre Bolsonaro e Lula.

Essa balcanização já acometeu vários partidos, e o MDB é o principal exemplo. A novidade é a implosão do partido que sempre rivalizou com o PT e poderia de fato representar um projeto alternativo de poder. Além de interessar a Lula, a implosão do PSDB também é uma grande notícia para Bolsonaro. Com o Centrão, ele fez o Congresso se render aos interesses fisiológicos. A criação do aberrante orçamento secreto e a multiplicação do bilionário fundo eleitoral fortaleceram as cúpulas partidárias, voltadas agora para engordar suas bancadas no Congresso. A velha política está triunfando, e o desmoronamento do PSDB faz parte desse jogo. Prova disso é que, enquanto Doria e Simone Tebet lutam para manter suas candidaturas, Bolsonaro e Lula conseguiram montar seus palanques estaduais e costurar alianças pelo País. Os dois assistem de camarote ao caos na terceira via.