Uma seleção que encantou o mundo. Um esquadrão marcado na história. Os elogios nunca são exagerados para definir a campanha do Brasil na Copa do Mundo de 1970. Mais do que ter vencido a competição no México e conseguido erguer pela terceira vez a taça de uma Copa do Mundo de futebol, o grupo de craques conseguiu ficar marcado para sempre na história da bola como um dos melhores times de todos os tempos.

Sob o comando do treinador Mário Jorge Lobo Zagallo, craques como Pelé, Carlos Alberto, Tostão, Gerson, Rivellino, Jairzinho, Clodoaldo, e de jovens como o então goleiro do Palmeiras Emerson Leão, que se juntou aos colegas de posição Félix (titular) e Ado, conseguiram no México vencer seis partidas em seis jogos.

O Brasil alcançou a posse definitiva da Jules Rimet, troféu que só seria entregue a quem vencesse pela primeira vez três edições da Copa, e ainda ensinou o mundo como jogar bonito, com velocidade, ocupação de espaços, transição defesa, meio e ataque, alternância de posicionamentos. Uma aula de como se jogar futebol até nos dias de hoje.

Confira abaixo depoimentos dos campeões sobre os bastidores da conquista:

JAIRZINHO, atacante da seleção brasileira em 1970

“Dentro da minha mente, a primeira coisa que me vem à cabeça é o trabalho extraordinário realizado por todo mundo, no qual pude contribuir para que o Brasil ficasse com a Taça Jules Rimet em definitivo. A comissão técnica era de altíssimo nível, com Zagallo, Coutinho, Parreira… Eram pessoas altamente qualificadas e preparadas. Eles montaram um cronograma de trabalho e, pela primeira vez, o Brasil teve um esquema de preparação com três meses de duração. Treinávamos seis horas por dia, sendo três pela manhã e três à tarde.

Pela primeira vez a seleção jogou com cinco camisas 10, todos jogadores de alto nível. O mundo todo aplaudiu a qualidade do futebol brasileiro, ofensivo e de muita técnica. Não tivemos nenhum problema em termos de esquema tático, coletividade ou falta de amizade. Todo mundo se enquadrou dentro daquela filosofia. Até hoje está escrito nos anais do futebol que o time de 70 foi a melhor seleção de todos os tempos. Zagallo montou uma seleção que nunca mais ninguém vai conseguir fazer. Aquele título foi um feito maravilhoso do futebol brasileiro.

Nós, jogadores, tínhamos muitas reuniões sem a presença da comissão. Lembro que, na semana que ia começar a Copa, pedimos permissão ao Zagallo para fazer uma reunião só entre nós, jogadores, e um dos pontos que conversamos foi sobre deixar a vaidade e a competição entre nós de lado para colocar em primeiro plano o Brasil porque isso seria bom para todos nós e o futebol brasileiro, é claro.

Essa pandemia melhorou a comunicação do futebol brasileiro com a juventude, já que antes da covid-19 as pessoas só comentavam, mas não reprisavam os jogos de 70, como foi feito agora. Para os mais jovens é uma grande aula. Para aqueles que só tinham ouvido falar, mas nunca tiveram a oportunidade de assistir às partidas, agora podem tirar as próprias conclusões se a seleção de 70 foi ou não a melhor de todos os tempos. Quem quiser ser jogador de futebol pode gravar os nossos movimentos, tanto na parte tática, como na individual. A Copa de 70 é uma aula gratuita de futebol.”

CLODOALDO, volante da seleção brasileira em 1970

“A memória mais querida que tenho daquela Copa é da convivência do grupo. Todos nós tínhamos um ambiente muito bom. Claro que a gente era adversários nos clubes aqui no Brasil, mas em prol da seleção brasileira conseguimos deixar de lado algumas diferenças e ter um clima bom, de amizade e companheirismo.

Antes de irmos para o México, ficamos treinando no Rio de Janeiro em um local simples, chamado Retiro dos Padres. Para passar o tempo, a gente se reunia para ouvir música e tocar violão. Eu e o Rivellino sempre gostávamos de jogar sinuca também. Para se divertir, tinha uma aposta nossa. Quem perdesse no jogo, teria de levar o companheiro nas costas até o quarto. Era uma forma de se divertir.

No México, a nossa preparação foi bem detalhada. Fizemos um trabalho na altitude, em uma cidade chamada Guanajuato. Isso nos ajudou muito na parte física. Pode ver que vários gols nossos na Copa foram marcados no segundo tempo. Para dividir os quartos, o Zagallo pensou muito bem e fez algumas mesclas. Eu, que era novo e só tinha 20 anos, tive como companheiro de concentração o ‘Capita’ (Carlos Alberto Torres). Ele não era o mais velho do time, mas por ser um dos nossos líderes, me ajudava bastante.

Lembro que para passar o tempo no hotel lá no México, eu e o Carlos Alberto ficávamos conversando por horas, até bem tarde. Várias vezes ele falava com segurança que a gente seria campeão. Também tinha bastante o assunto sobre como seria o próximo jogo e até como se preocupar com algum adversário em específico.

O grupo tinha várias figuras muito queridas. O Brito era o cara mais divertido. Sempre contava piadas e tirava sarro. Até hoje nós, jogadores, mantemos essa amizade. Recentemente a gente se encontrou em um evento na CBF para inaugurar a estátua do Pelé. Teve um almoço e nós ficamos conversando por muito tempo. De vez em quando até hoje troco mensagens com alguns. A tecnologia nos ajuda a continuarmos perto e sempre lembrando esse período incrível que foi a Copa de 1970.”

RIVELLINO, meia da seleção campeã mundial em 1970

“Ao falar da Copa de 70 vem muita coisa na cabeça. Saímos do Brasil totalmente desacreditados por todo mundo. Tínhamos bons jogadores, mas naquela época era difícil ter informações dos adversários. Sabíamos, por exemplo, que a Inglaterra tinha sido campeã em 1966 e era um bom time, mas não tínhamos muito mais que isso.

Ficamos dois meses treinando e algo que me chama a atenção até hoje era o quanto o Pelé, a maior referência do futebol na história, tinha de energia positiva, de vontade de vencer… Ele era o primeiro da fila e nunca reclamava de nada. O cara era bicampeão do mundo, chegava em nós e falava: ‘Olha aqui, moleque, você não sabe o que é ser campeão do mundo.’ Em relação à convivência, este elenco me marcou bastante também, mas por um motivo diferente.

Quando ganha, falam que o grupo é unido e mais aquela coisa toda… Essa coisa de grupo unido para mim é bobagem. Tem de ser unido dentro de campo. Eu corro por você hoje, mas amanhã eu não preciso sair para jantar contigo. O grupo tinha muito esse pensamento. Não importava se a gente se dava bem ou não fora de campo, o que importava era lá dentro. Havia problemas no elenco, claro, mas isso ficava fora. O gol do Carlos Alberto (na final, contra a Itália) é um exemplo dessa união em campo que eu digo. Falar em Copa do Mundo de 70 e na primeira coisa que vem na minha cabeça é aquele gol. Foi o time inteiro tocando a bola. Coisa linda.

Mas não posso ser hipócrita e ignorar o talento individual daquele time. Hoje ficam com papo de ‘Fulano e Beltrano fazem a mesma função e não podem jogar juntos.’ Isso é bobagem! Cara bom tem que jogar junto, sim. Jogar com craque é muito mais fácil, porque ele pensa diferente. Eu sabia onde o Pelé queria a bola e vice-versa. Tanto que a gente nem precisava marcar. Na verdade, até hoje eu não sei marcar. Quem fazia isso no time era o Corró (Clodoaldo), mas mesmo assim, com muita técnica. Nós não marcávamos, nós fazíamos ocupação de espaço.

Nosso time era muito focado. Impressionante. Alguns jogadores tinham problema um com o outro, mas no geral, a gente brincava e tudo mais e na hora do jogo, era foco total. Não precisava dessas coisas de colocar fone de ouvido para demonstrar foco. Antes do jogo, a gente era do samba. Brito, Gerson, Jairzinho e Marco Antônio eram os caras que tocavam e faziam o samba. Era uma bagunça, até a hora que entrávamos no vestiário e o jogo seria assunto. Aí a coisa mudava.

Falando em jogo, aquele com a Inglaterra foi o mais difícil, sem dúvida. Eles poderiam ter empatado ou a gente marcar 2 a 0 e seria justo de qualquer forma. O Félix e o Banks pegaram demais. Pelo amor de Deus! Lembro que no fim do jogo, o técnico deles colocou duas ‘torres gêmeas’ no ataque e apostou no cruzamento. Que sufoco! Teve uma jogada, pode olhar no vídeo, que o Everaldo tentou cortar e deu errado. A bola sobrou para um dos grandalhões que havia entrado, mas a bola estava no chão e como ele era muito limitado, conseguiu chutar para fora. Me lembro que torci o tornozelo neste jogo e o Zagallo decidiu me deixar no banco contra a Romênia, para me poupar, já que estávamos classificados. Fiquei bravo, mas respeitei.”

GERSON, meia da seleção campeã mundial em 1970

“A seleção de 1970 foi pelo menos o melhor time do Brasil. Das campeãs, eu reputo duas: 1958 e 1970. A de 58 pela parte técnica e a de 70 pelo conjunto, pelo entrosamento. Essa seleção de 70 foi montada basicamente em 1968, numa excursão que fizemos na Europa e depois pelas Américas. Isso nunca saiu da minha cabeça.

Para nós (jogadores), a troca de treinador não teve muita diferença, porque saiu um (João Saldanha) que foi vitorioso nas Eliminatórias e entrou outro também vitorioso (Zagallo), que vinha de um bicampeonato pelo Botafogo, em 1967 e 68 (Carioca). A única coisa que ele trocou foi o esquema. O Saldanha gostava de ponta na frente, que era o Edu, e o Zagallo gostava de ponta fechando o meio, terceiro homem (do meio de campo). Ele adaptou… ele tinha o Paulo César (Caju) e adaptou ali o Rivellino. A mudança foi essa.

O que mais marcou para todo mundo foi justamente o entrosamento. A gente sabia o que outro iria fazer, o que gostaria de fazer, de antemão. Muito tempo de excursão, depois Eliminatórias, depois três meses de preparo tanto no Brasil quanto lá no México. Isso tudo foi o ponto marcante daquela seleção. E o preparo físico também foi marcante.

Nas horas vagas, a gente treinava. Ou então discutia a maneira melhor de jogar, e de marcar os adversários. Não tinha folga. Era sair para treinar, voltava para almoçar, descansava, voltava para o treino, retornava, jantava, descansava…

Na Copa, fiquei fora de alguns jogos por causa de um desconforto (muscular) que eu tive em um treinamento. Joguei o primeiro jogo, depois parei dois, e aí joguei os outros. Contra o Peru ainda saí no segundo tempo. É chato, porque você faz um preparo desses, longo, para poder estar inteiro na competição, e de repente tem um tropeço no meio do caminho, é complicado. Mas graças a Deus fiquei bem, o tratamento do doutor Lídio (Toledo), do Nocaute Jack e do Mário Américo (massagistas) foi muito bom. Eles me recuperaram.

A Copa de 1970 compensou a de 66, que foi atípica para a gente (o Brasil caiu na primeira fase). Nós tínhamos quatro seleções e não formamos uma. E andamos pelo Brasil afora fazendo política. Para você ver (a bagunça). Certa vez, nós estávamos na Suécia, embarcando para a Inglaterra, o Servílio (centroavante que jogou na Portuguesa e no Palmeiras) foi cortado e entrou o Alcindo, lá do Rio Grande do Sul (era centroavante do Grêmio), que estava com uma fissura no pé feita num jogo-treino que realizamos em Niterói. Uma bagunça geral. E tinha gente de 1958 e 1962 que já não podia estar lá. Tudo isso é falta de organização.”

LEÃO, goleiro da seleção campeã mundial em 1970

“Quando alguém me pede para falar da conquista de 1970, me vem à cabeça a imagem de um jovem goleiro procurando um futuro para, quem sabe, ter a chance de nesse futuro, depois de 50 anos, poder estar falando positivamente com todo mundo sobre a seleção brasileira que conquistou o tricampeonato mundial no México. Eu era um jovem que a seleção de 70 me fez se relacionar muito melhor com o esporte, de uma maneira profissional, particular. Foi ali que eu comecei a redescobrir minha vida profissional, a segunda parte dela, e ali sabia que naquele momento, poderia ter uma trajetória longa, desde que me comportasse positivamente e tecnicamente para isso. E felizmente, através daquele time de 70, cheguei muito longe.

Falando sobre a conquista, o mais importante, o que fez a diferença mesmo foi a preparação da seleção brasileira para jogar na altitude, algo que ninguém sabia o que era. Graças à pesquisa feita pelo capitão (Cláudio) Coutinho, que era o auxiliar de preparação física, fomos muito bem nisso. Se observarmos, ganhamos muitos jogos no segundo tempo porque tínhamos uma condição física muito superior à dos outros. Isso foi muito positivo em toda nossa campanha.

Tecnicamente, tinha muita estrela no time. E o Zagallo teve a paciência e a flexibilidade de armar um time com as estrelas. Mesmo porque ele pegou um time arrumado. Quem iniciou o caminho foi o João Saldanha, que saiu por um problema político, e aí veio o Zagallo com essa flexibilidade. Ele colocou o maior número de ‘nomes’ técnicos em campo. Todos entenderam muito bem o papel de cada um e isso se tornou muito positivo.

Título sempre é bom. Em 1970, parece que houve uma irmandade muito grande entre os brasileiros e isso ficou marcado até hoje. Encantou, e sempre escuta-se algo como ‘a melhor seleção do mundo é a de 70’.

Agora, com a pandemia do novo coronavírus, houve tempo de os mais jovens acompanharem os jogos nas reprises. Agora, vão notar o nosso estilo, vão ver como se jogava o futebol brasileiro antigamente. Com velocidade e tudo mais. É uma demonstração. É para vermos que aquele futebol do Brasil de 70 deveria continuar sendo a característica do jogador brasileiro para decidir as partidas.”