A Operação Contragolpe, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira, 19, cumpriu mandados de prisão preventiva contra quatro militares do Exército e um policial federal e ampliou a investigação que implica o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ex-ministros de seu governo e integrantes relevantes das Forças Armadas em uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vencedor das eleições de 2022.

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Em continuidade da Operação Tempus Veritatis, realizada em fevereiro, os policiais apuraram que o plano dos investigados era executar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), em atentados que tinham data para acontecer.

Neste texto, o site IstoÉ responde a seis perguntas sobre a operação.

1) Quem foi preso e por que?

Mário Fernandes, general da reserva do Exército e ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo Bolsonaro;

— Helio Ferreira Lima, tenente-coronel da ativa;

— Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel da ativa;

— Rodrigo Bezerra Azevedo, major da ativa;

— Wladimir Matos Soares, policial federal.

Os cinco foram presos preventivamente, ou seja, em detenções decretadas antes do caso ser encerrado e qualquer condenação acontecer. Esse dispositivo é acionado para suspeitos que colocam em risco a ordem pública, podem voltar a cometer crimes, atrapalhar as investigações ou fugir, mas é pouco usual para investigações tão posteriores aos episódios — que vão completar dois anos.

Para Frederico Crissiuma de Figueiredo, advogado criminalista da Castelo Branco Advogados Associados, a falta de contemporaneidade é sobreposta pelo fato de que os investigados ainda estavam em seus cargos e, como formaram uma organização criminosa, mantinham condições de executar eventuais planos golpistas. “Esse fato justifica as prisões preventivas”, disse ao site IstoÉ.

“Salvo a detecção de alguma atitude contemporânea para obstruir as investigações, o afastamento dos cargos já daria conta de minimizar o acesso e o impacto dos investigados na continuidade do processo”, afirmou Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ao site IstoÉ.

Autor da decisão que autorizou a operação, Alexandre de Moraes escreveu que as detenções têm o objetivo de garantir a ordem pública, dado que o grupo pode voltar a cometer crimes. A decisão teve parecer favorável do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, que afirmou que “a gravidade das condutas veiculadas e sua natureza violenta evidenciam o perigo concreto de que a permanência dos investigados em liberdade ponha em risco a garantia da ordem pública”.

O grupo é suspeito de cometer os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático direito, tentativa de golpe de Estado e associação criminosa em concurso material de delitos — quando mais de um crime é praticado ao mesmo tempo. Além das prisões, a PF impôs um conjunto de medidas cautelares que inclui a entrega dos passaportes e a suspensão das funções que os militares e o policial exercem no serviço público.

2) O que foi tramado?

Os policiais apuraram que Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira, militares com formação em Forças Especiais do Exército (os “kids pretos”, treinados em operações de contra-inteligência, insurreição e guerrilha), se reuniram pela primeira vez após a eleição em que Bolsonaro foi derrotado por Lula na residência do general Walter Braga Netto (PL), candidato a vice na chapa do incumbente naquele pleito, em 12 de novembro de 2022. No local, também estava o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro em cujo celular foram encontradas as informações sobre a trama.

O encontro abriu uma sequência de reuniões periódicas em que esses e outros investigados passaram a articular a consumação de um golpe para impedir a posse do petista. Na operação planejada, chamada pelos investigados de “Copa 2022”, segundo os policiais, Lula e Alckmin seriam assassinados em 15 de dezembro, data em que Moraes seria sequestrado, preso e, posteriormente, executado. Depois disso, seria instaurado um um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”, a ser integrado pelos próprios golpistas para gerir conflitos institucionais e consumar a ruptura democrática, de acordo com a PF.

As operações Tempus Veritatis e Contragolpe relataram reuniões em imóveis oficiais do governo federal, como o Palácio do Planalto, e ações como o monitoramento da agenda e das atividades de Moraes, atuação — inclusive financeiramente — pela permanência de manifestantes em acampamentos na frente de quartéis do Exército e um trabalho para convencer integrantes do alto comando das Forças Armadas a aderir ao plano de ruptura.

Integrantes do grupo produziram uma “minuta golpista”, documento que reunia elementos de suposto embasamento jurídico do plano, que foi analisada e editada por Bolsonaro antes de chegar às mãos do general Freire Gomes, então comandante do Exército e elemento decisivo para a eventual concretização da proposta — apesar de um histórico de conivência com declarações e atitudes golpistas, o militar não embarcou na trama.

3) Como Lula, Alckmin e Moraes seriam executados?

A investigação relatou que os golpistas tinham o seguinte planejamento para o dia 15 de dezembro de 2022:

“Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”.

“Foram consideradas diversas condições de execução do ministro Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de artefato explosivo e por envenenamento em evento oficial público. Há uma citação aos riscos da ação, dizendo que os danos colaterais seriam muito altos, que a chance de ‘captura’ seria alta e que a chance de baixa (termo relacionado a morte no contexto militar) seria alto”.

“Já o codinome Joca, por sua vez, é uma referência ao citado vice-presidente Geraldo Alckmin. Como, além do presidente, a chapa vencedora é composta, obviamente, pelo vice-presidente, é somente na hipótese de eliminação de Geraldo Alckmin que a chapa vencedora estaria extinta”.

Diante de eventuais falhas no plano original, os investigados previam alternativas para consumar o golpe e planejaram reunir um arsenal, de acordo com a PF, que incluía pistolas 9 mm ou .40, além de quatro fuzis 5,56, 7,62 ou .338, uma metralhadora M249, um lança-granadas e um lança-rojão.

“São armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate. A primeira, M249, é uma metralhadora leve altamente eficaz, projetada para fornecer suporte de fogo em combate. A combinação de leveza, taxa de disparo e capacidade de alimentação a torna uma arma estimada em diversas situações táticas. A segunda é uma arma projetada para disparar granadas de fragmentação ou munições especiais de 40mm que fornece capacidade de fogo indireto e versatilidade em termos de tipos de munição. O terceiro armamento, AT4, é um lança-rojão, utilizado principalmente por forças armadas e de segurança para combate a veículos blindados e estruturas fortificadas. É um lançador de foguetes antitanque. munição é um foguete guiado que possui uma ogiva explosiva”, seguiu a investigação.

4) Bolsonaro participou da trama?

O ex-presidente é citado 28 vezes na decisão que autorizou a operação e, além de ser o beneficiário natural caso o golpe tivesse sucesso, recebeu no Palácio do Planalto o general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante sua gestão, que na ocasião imprimiu um documento com o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que descrevia as execuções das autoridades e a instituição do gabinete golpista, de acordo com a PF. Fernandes foi considerado próximo do ex-mandatário pela investigação.

Bolsonaro ainda se reuniu com Estevam Theofilo, general que, na ocasião, comandava os kids pretos, para avançar no planejamento da trama — informação revelada pela Tempus Veritatis. Em seguida, teve acesso à “minuta golpista” e editou o documento, segundo os policiais, antes do envio ao general Freire Gomes.

5) Moraes, que estava na mira dos investigados, pode atuar no caso?

Juízes são impedidos de exercer a função nos casos em que eles próprios, cônjuges ou familiares são parte diretamente interessada pelo Código Penal, no artigo 252. No caso da Operação Contragolpe, autorizada por Moraes na condição de relator dos inquéritos das milícias digitais e das fake news no Supremo, os investigados tinham justamente o magistrado como uma das vítimas do plano de executar autoridades da República.

“Ainda que o Código de Processo Penal não tenha uma disposição clara neste sentido, a hipótese de que o juiz e as partes são inimigos capitais — os investigados, em tese, queriam matar o ministro — faz com que haja um conflito na atuação de Moraes“, disse ao site IstoÉ Frederico Crissiuma.

“Todos os casos de suspeição e impedimento, inclusive quando o próprio juiz se declara impedido, têm como pano de fundo o princípio de imparcialidade da Justiça. Quando você está à frente de um inquérito em que você é a vítima de um plano de homicídio, há margem para que esse princípio seja colocado sob dúvida. O ministro deveria ter aberto mão dessa relatoria“, concluiu o advogado.

Para Tangerino, a investigação diz respeito a Moraes “na condição de presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não como pessoa física”. “Uma vez que fixaram que ataques institucionais ao Supremo atraem a competência, então este é um ataque institucional”, afirmou ao site IstoÉ.

Em notas oficiais, o Supremo seguiu a linha do professor da Uerj e defendeu a relatoria de Moraes em investigações que o envolvem, afirmando que o Código de Processo Penal “afasta qualquer suspeição ou impedimento quando as ameaças ou coações são feitas ao juiz que já conduz o inquérito ou processo”. O tribunal considera que os supostos crimes julgados não são contra o ministro, mas contra o Estado democrático de direito e, portanto, não há razão para suspeição.

Em 2020, o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, pela constitucionalidade de julgar inquéritos que incluam ameaças a seus membros. Implicações diretas de um integrante, no entanto, são mais espinhosas — em 2023, a PGR se posicionou contra a inclusão do próprio Moraes como assistente de acusação no inquérito que investigou uma suposta agressão a sua família em um aeroporto na Itália, afirmando que haveria “privilégio de natureza pessoal” na situação.

6) O que acontece agora?

As operações Contragolpe e Tempus Veritatis resultam de um processo que começou com a coleta de provas da delação de Mauro Cid. Para ser deflagrada, a operação desta terça foi autorizada pelo Supremo e efetuou prisões preventivas válidas até que haja uma reversão jurídica das decisões — que pode ocorrer por decisão do próprio Moraes, como se deu com Cid — ou até o trânsito em julgado do processo.

O próximo passo da investigação é o Supremo, instância que atua no caso, decidir se aceita ou não as denúncias apresentadas. Em cenário positivo, o caso vira um processo criminal, que pode ser concluído em condenação ou absolvição dos suspeitos.