Vitória aos 40 anos em 1859, no seu quadro favorito, de Franz Xaver Winterhalter: a monarca mais poderosa do planeta media 1,52 metro, amava o marido e teve nove filhos

A rainha Vitória (1819-1901) revelou-se tão poderosa que seu reinado foi batizado de “era vitoriana”. A Inglaterra de 1837 a 1901 se caracterizou por um padrão homogêneo de prédios, carruagens, trens, ternos pretos, cartolas altas e vestidos amplos, além da austeridade de costumes que disfarçava pulsões sexuais reprimidas. Entre os pobres, o regime vitoriano gerou pobreza extrema e revoltas recorrentes.

Nos 63 anos em que esteve no trono, Vitória reinou sobre o mundo inteiro e deixou uma lição de governança assimilada por seus sucessores. Devotada ao marido, o príncipe alemão Albert de Saxe-Coburgo-Gota (1819-1861), foi celebrada como governante e dona de casa competente e inspirou os futuros monarcas britânicos. Mas não era tão perfeita. Cedeu a tentações, pecou e protagonizou escândalos que poderiam lhe ter abalado a reputação.

Decifrar os segredos de Vitória e expor sua personalidade foi a tarefa da historiadora australiana Julia Baird. Sua pesquisa resultou nas 560 páginas do livro “Vitória, a Rainha”, de 2016, publicado agora pela Companhia das Letras. “Vitória foi alvo da maior censura que um monarca já sofreu por seus sucessores”, diz Julia Baird. “Mas recuperei documentos reveladores.”

A autora constatou que bibliotecários, cronistas e parentes lançaram cartas de Vitória a amantes, amigas ou pretendentes. Muitas se perderam, como as que mencionavam o oficial escocês John Brown, que teve um caso com a rainha viúva. Em 1943, a filha mais nova de Vitória, Beatrice, solicitou a Owen Morshead, bibliotecário de Windsor, que lhe entregasse a correspondência entre Vitória e Albert, por seu conteúdo íntimo. Segundo ela, “o príncipe e a rainha nem sempre concordavam
nos primeiros anos de casamento”. Beatrice jogou os papéis à fogueira. Não sabia que Morshead as fotografara. As fotos serviram de fonte para o livro.

“É uma mulher comum que foi lançada a um papel incomum” Julia Baird, historiadora

Da pesquisa de dois anos surgiu uma Vitória pouco majestosa. Adorava sexo, apaixonava-se por nobres, cometia injustiças e seu casamento com Albert era imperfeito, embora o amasse, mesmo após a morte dele, aos 42 anos. Em vez de austera, era apaixonada e implicante. A menina robusta recebeu o apelido de “Pequena Hércules” e mandava nas bonecas quando brincava com as amigas. Na adolescência, revoltou-se contra a mãe, Victoire, que cobiçava a regência, apoiada pelo conselheiro John Conroy. Logo que foi coroada, Vitória repudiou os dois, passou a mandar em todos e despojou os desafetos de privilégios, como Lady Flora Hastings. Para isso, espalhou o boato de que ela estava grávida de Conroy. Forçada a provar a inocência, Flora submeteu-se a um teste de virgindade.

No início do reinado, ela caiu de amores pelo primeiro-ministro, Lord Melbourne, e foi correspondida. Eles passavam as tardes juntos a confabular e só não noivaram porque Melbourne tinha 20 anos mais que ela. Foi Melbourne que a orientou a se casar com o primo Albert. Nas cartas recuperadas, entusiasma-se com as noites que passaram juntos. Em 21 anos de casados, tiveram nove filhos, quatro meninos e cinco meninas. Quando o médico a proibiu de continuar a conceber, ela perguntou: “Doutor, isso quer dizer que não vou poder mais me divertir na cama?” Nas cartas, confessou que tinha pavor de dar à luz, era impaciente com as crianças e as considerava um entrave para seu poder, também por causa de Albert. No período de gestação, ele atuou como príncipe regente, nem sempre para agrado da mulher. Muitas vezes ela era vista gritando atrás dele, dizendo ser ela a rainha, enquanto ele passava de cômodo em cômodo. “Você quer parar de me seguir de quarto em quarto gritando comigo?”. Albert administrou o dia a dia das residências reais e do país. Reformou os esgotos dos palácios e organizou a hierarquia dos funcionários da corte e da administração do império. Impôs um código de conformidade e vestuário que foi adotado em todo o império. Não foi Vitória responsável pela Era Vitoriana, e sim Albert. “Na verdade, deveria ser chamada
de Era Albertiana”, afirma Baird.

Vitória zelou pela memória e contribuição de Albert ao império. Adotou o hábito de viúva, o que não a impediu de se envolver com um criado indiano, Abdul Karim, para horror da corte, e manter um duradouro romance com o oficial escocês John Brown. O sucesso de seu governo se deveu menos a sua vocação que ao talento gerencial de dez primeiros-ministros. “Não se preocupava em elaborar uma política social para proteger os pobres”, diz Baird. Assim, despertou a revolta popular e só evitou o pior porque chefiava o exército mais poderoso do mundo. Com sua morte, o Império passou a ruir.

Para a biógrafa, Vitória é exemplo para as mulheres atuais: “O que esquecemos hoje é que Vitória é a mulher sob cuja proteção se constituiu o mundo moderno.”