Foi através da notícia dada pelo titular desta coluna que Dona Ruth, mãe de Marília Mendonça, e o advogado que a representa souberam que a cantora, já presente na trilha da novela das nove Três Graças com a canção De Quem é a Culpa, também será homenageada de forma especial na nova novela das sete, Coração Acelerado, que estreia em janeiro na tela da Globo. A informação foi antecipada no último dia 5, por Matheus Baldi no Fofocalizando do SBT e abriu uma nova sequência de ligações, checagens e surpresas. Surpresa, sim. Mas acompanhada de um sentimento de alegria, como se a memória de Marília continuasse encontrando caminhos improváveis para permanecer viva no horário nobre da teledramaturgia brasileira.
Nos bastidores da Globo, o assunto em certo momento gerou certo receio. Produtores e diretores passaram a adotar uma cautela maior no manejo do uso do acervo artístico, fonográfico e audiovisual da cantora em meio ao imbróglio jurídico envolvendo Dona Ruth e Murilo Huff, que ganhou forte repercussão em junho deste ano, quando a bíblia dramatúrgica da novela já estava definida. Segundo a fonte, a adoção dos cuidados e ajustes não foram apenas por preocupação contratual, mas também o esforço cuidadoso de costurar uma homenagem que fizesse justiça à dimensão cultural de Marília sem tocar em pontos sensíveis.
Fato é que, bem no começo, o roteiro já prevê um tributo: imagens reais de 2016, registradas num festival sertanejo onde Marília se apresentou. Na plateia, uma garota observa a artista, acompanhada das amigas Maiara e Maraisa, com a solenidade de quem enxerga um destino. É a versão infantil de Agrado, protagonista vivida por Isadora Cruz, que ali, diante daquelas luzes do palco e da voz que arrastava multidões, decide ser como ela. A partir desse instante, Marília deixa de ser lembrança e se torna ponto de partida da narrativa.
O roteiro valoriza essa presença. No camarim improvisado, Agrado pendura fotos da cantora como amuletos. Mais adiante, canta o hit Sem Sal, numa tentativa da ficção de tocar a memória coletiva de um país que ainda não se acostumou à ausência da Rainha da Sofrência. Não é uma participação decorativa; é uma estrutura emocional, um fio dramático que organiza a jornada da personagem. Escrita por Izabel de Oliveira e Maria Helena Nascimento, Coração Acelerado transforma Marília em arquitetura narrativa, e não apenas em trilha sonora. É o seu legado exemplificado na arte.
Foi ao tentar destrinchar esses ruídos que Baldi procurou o advogado Robson Cunha, representante de Dona Ruth nas questões relacionadas ao espólio de Marília. Robson revelou que a família soube pelo jornalista da homenagem. “Nós também fomos surpreendidos com a história da novela. A família não foi procurada. Eu até questionei a gravadora se ela tinha ciência disso. A gravadora está levantando essas informações.”
A resposta acendeu outra camada da história: quem, afinal, detém o quê? Segundo o advogado, parte do vínculo com a Globo vem de contratos antigos da época da RGE, braço fonográfico ligado à emissora que, por muitos anos, manteve direitos associados à Marília. Com a venda da Som Livre para a Sony, os caminhos jurídicos ficaram menos claros, mas Robson é direto: da parte da família não há impedimento para que a artista seja homenageada.
A divisão de responsabilidades, no entanto, parece precisa. As músicas que Marília gravou em vida pertencem à Som Livre, que decide liberações para novelas, filmes e produtos audiovisuais. Já o uso de imagem e marca (fotos, clipes, vídeos, arquivos digitais) passam obrigatoriamente pela família. “Toda vez que for usar a imagem ou a marca da Marília, precisa da liberação da família. Cada caso é avaliado”, explicou o advogado. É essa dualidade que ajuda a explicar o alerta interno da equipe da novela nos últimos tempos, revelado pelo titular desta coluna no começo deste mês.
No dia 6 de novembro, após Baldi comentar o lançamento de Segundo Amor da Minha Vida no programa de TV, a assessoria de imprensa responsável pela divulgação do projeto destacou o excelente desempenho da música nas plataformas digitais e negou qualquer entrave para que canções da artista sejam usadas em novelas do canal carioca. Reforçaram, ainda, que nem tudo depende da assinatura de Murilo Huff, tutor do pequeno Léo, filho de Marília. Eles ainda acrescentaram que, no caso de Coração Acelerado, não tinham detalhes das tratativas internas.
Uma outra fonte da emissora ouvida por Baldi garantiu que a homenagem a Marília permanece no roteiro da trama, mas que um caminho paralelo passou a ser feito: ampliaram as homenagens para outras mulheres relevantes do mundo sertanejo, como Maiara e Maraisa e Simone e Simaria. A trilha de abertura será cantada por Ana Castela, num aceno claro às novas gerações que continuam a expandir o território que Marília ajudou a pavimentar.
O que prevalece é a força de uma artista que, mesmo quatro anos após sua morte, segue convocada para narrar sonhos, abrir caminhos e emocionar milhões de pessoas. Em duas novelas da maior emissora do país, a presença de Marília Mendonça não é detalhe nem coincidência. É memória em movimento. É a prova de que algumas vozes continuam ecoando muito depois do último refrão.
A Coluna Matheus Baldi entrou em contato com a TV Globo, que informou que está fazendo o levantamento das informações e deve se posicionar assim que tiver todos os dados. A reportagem será atualizada quando a emissora retornar o contato.