A agricultora turca Hava Keles olha, inconsolável, para as videiras murchas de tomates podres em um campo que foi devastado por uma série de secas atribuídas à mudança climática.

“Meus tomates, meus feijões, minhas pimentas estão arruinados. Minhas melancias nem mesmo cresceram. Os pepinos que plantei murcharam nos galhos”, lamentou Keles, de 58 anos, em um terreno árido em Akkuzulu, ao norte de Ancara.

Keles está entre os milhares de agricultores na Turquia que tiveram suas plantações arrasadas pela falta de chuva nos últimos dois anos.

Alguns especialistas acusam o presidente Recep Tayyip Erdogan, cuja popularidade depende da prosperidade impulsionada pelo rápido desenvolvimento urbano, de não fazer o suficiente para resolver as questões ambientais urgentes no país.

Erdogan prometeu, porém, que a Turquia ratificaria o Acordo de Paris de 2015 em outubro, antes da crucial cúpula do clima da ONU no mês que vem, em Glasgow. A Turquia assinou o acordo em 2016.

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As questões ambientais nunca estiveram no topo da agenda política na Turquia, mas tudo mudou depois de um verão de eventos climáticos extremos, incluindo incêndios florestais na costa do Mediterrâneo e inundações devastadoras no norte.

A ação pode chegar tarde demais para agricultores endividados como Keles, em um país onde as secas se espalharam no país.

Neste verão, os fazendeiros da sua vizinhança não conseguiram cavar fundo o suficiente para encontrar água subterrânea, então tiveram de buscá-la em grandes tanques.

– ‘Eventos graves chegando’ –

A agricultura é um setor importante da economia turca. Responde por em torno de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 18% da força de trabalho.

A Turquia é autossuficiente na produção de alimentos e é o sétimo maior produtor agrícola do mundo, exportando de tudo: desde avelãs a chá, passando por azeitonas e figos.

A importação de trigo do país aumentou exponencialmente, porém, em quase duas décadas, passando de US$ 150 milhões para US$ 2,3 bilhões em 2019, de acordo com o Ministério da agricultura.

Estes números aumentam os temores de que a Turquia deixe de ser produtora para se tornar um país dependente do exterior para atender às suas necessidades alimentares.

“A Turquia tem muito a se adaptar, especialmente em termos de agricultura, porque graves eventos de seca estão chegando. O que observamos não é nada”, advertiu Levent Kurnaz, diretor do Centro de Mudanças Climáticas e Estudos Políticos da Universidade de Bogazici, em Istambul.

A seca está forçando alguns agricultores a desistir do setor, enquanto outros optam por plantar diferentes safras, com menos demanda de água. O consumidor sente o impacto, com preços em alta e a desvalorização da lira turca.


A inflação dos alimentos atingiu 29% em agosto em relação ao ano passado. Na tentativa de aliviar a crise, Erdogan reduziu a zero, até o final do ano, as taxas alfandegárias de importação para itens básicos como trigo, grão de bico e lentilhas.

Especialistas dizem que o governo falhou em suas políticas de gestão da água, agravando o problema.

Os agricultores são impactados pela redução significativa dos níveis de água nas represas em todo país, o que também coloca em risco as necessidades de água de todos os cidadãos.

Lagos estão secando.

“Precisamos construir nossas cidades de uma forma que permita o aumento dos níveis de água subterrânea”, disse Ceyhun Ozcelik, professor associado do Departamento de Recursos Hídricos da Universidade Mugla Sitki Kocman.

“Se não tomarmos as medidas necessárias, se a infraestrutura urbana não for suficiente, então posso dizer que enfrentaremos dias difíceis nos próximos anos”, alertou.

– Transformação do estilo de vida –

No oeste do país, na costa do Mar Egeu, olivais verdes cobrem as colinas de Milas, famosa pelo seu azeite, que ganhou o “status” de protegido da União Europeia em dezembro. Mas o fruto também está em risco.

Ismail Atici, chefe da Câmara Agrícola de Milas, disse que não choveu um único dia em 2021.

“Se continuar sem chover por um, ou por mais dois meses, as árvores não vão ter condições de nutrir o fruto em crescimento”, acrescentou.

Neste quadro dramático, os custos dos agricultores estão escalando.

Ferdun Cetinceviz, 41, que cuida de quase 200 vacas e campos de milho entre as montanhas, disse que está perdendo até 40.000 liras por mês (US$ 4.500).


Cercado por terras secas e planas e montanhas verdes ao longe, Cetinceviz estimou que até 50% de sua safra, incluindo milho, foi perdida este ano por causa da seca.

“Se não puder regar minhas plantações, das quais meus animais também precisam, eles ficarão com fome”, lamentou.

Os agricultores de Milas costumavam cultivar algodão, mas isso requer uma grande quantidade de água. Então, mudaram para o milho.

A região de Mugla, incluindo Milas, está sofrendo de níveis de seca que variam de excepcionalmente a severamente seco, de acordo com o mapa do Serviço Meteorológico da Turquia, que cobre o período de dezembro de 2020 a agosto de 2021.

A crise é tão grave que especialistas alertam que, em breve, afetará não apenas a subsistência dos agricultores. Também impactará o bem-estar de todos os turcos, pois atinge a comida servida em cada prato e a disponibilidade de água potável.

“Esta crise hídrica afetará a segurança alimentar, energética e das pessoas”, advertiu Ali Tekkaya, vice-gerente-geral da Administração Geral de Água e Esgoto da província de Mugla, no sudoeste da Turquia.

“É por isso que não olhamos e não vamos olhar para isso apenas como um problema de água potável. Essa questão vai transformar completamente a economia e o estilo de vida das pessoas”, frisou.


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