Se tá assim agora, imagina na Copa

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Meu amigo Pepe é um exemplo de comportamento na pandemia. Com sua coleção de máscaras e frascos de álcool gel, enclausurou-se em casa desde março do ano passado. Saídas só para encher despensa, geladeira e o pote de ração do Fellini. Recentemente, tem sido obrigado a sair um pouco mais, principalmente para tratar das consequências de um tombo que lesionou sua bacia. Hoje, aguarda uma cirurgia e se desloca em uma cadeira de rodas. E foi sobre ela que o Pepe foi neste sábado, 29, à avenida Paulista. Feliz, passou a tarde e o começo da noite documentando o que chamou de “início do fim de Bolsonaro”.

Como ele, vários outros amigos e amigas se dispuseram a ir pra rua e registrar a participação em um evento pouco recomendável epidemiologicamente, mas absolutamente compreensível em termos civilizatórios. Entender o que encorajou essa gente é simples. Uma placa de protesto nas sangrentas manifestações recentes na Colômbia diz tudo: “Se um povo protesta e marcha em meio a uma pandemia, é porque seu governo é mais perigoso que o vírus”.

Se tá assim agora, imagina na Copa
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Dez quadras da Paulista cheias, somadas a manifestações com o mesmo intuito em várias capitais do País, resgataram o controle da rua, característica cara à narrativa bolsonarista. Irresponsável, o presidente vinha estimulando encontros quase semanais com seus seguidores. Depois, nas redes sociais, esses eventos eram qualificados como “verdadeira pesquisa” ou “esse é o povo”. Claro que algumas centenas de motoqueiros desmascarados e hipnotizados pelo discurso genocida fazem parte do povo, mas são irrelevantes se comparados aos 54% que reprovam o desempenho (!?!?) de Bolsonaro na pandemia e ajudaram a rechear os protestos deste sábado.

O Brasil vem solidificando a tradição, inaugurada em 2014, de grandes manifestações em anos de Copa. Na realizada no País, ficou célebre o desejo de boa parte da população que clamava por hospitais e escolas, em vez de estádios. Não sem uma generosa dose de razão. Mesmo antes da pandemia, elefantes brancos como as arenas erguidas no Pantanal, na Amazônia e até em Pernambuco são eficientes geradores de prejuízo aos cofres públicos.

Quatro anos depois, as mulheres encabeçaram um movimento que tentou evitar a catástrofe política que vivemos hoje. Sob a hashtag #elenão, lotaram ruas e redes e foram atacadas sem dó pelas bolhas bolsonarista e, na época, morista. Não venceram, mas deram a dica: se uma mulher tivesse se candidatado e vencido, quem sabe não estaríamos sendo liderados por uma versão tropical de Jacinda Ardern (Nova Zelândia), Tsai Ing-wen (Taiwan) ou Angela Merkel (Alemanha). Muitos brasileiros estariam vivos para comemorar.

Em 2022, ano da Copa do Catar, com a pandemia sob controle (apesar do governo Bolsonaro), ruas e avenidas serão estreitas para o tanto de gente que vai levar a sua indignação para passear. Se ontem as imagens já impressionaram, imagine quando sair de casa não será mais uma roleta russa e os atos forem engrossados pelas entidades, partidos, centrais sindicais e movimentos sociais que, em respeito ao vírus, ficaram de fora dos encontros de ontem. Inspirado nas Copas anteriores, fica a ideia para duas possíveis hashtags em 2022: #nãovaiterreeleição e #elenuncamais.

Ah, em tempo: você pode ajudar a diminuir as aglomerações bolsonaristas. Tudo o que tem a fazer é, em hipótese alguma, deixar o governo saber que reformou o banheiro, ergueu um puxadinho ou pintou o muro da sua casa. É capaz de o Bolsonaro resolver ir lá inaugurar.