Se só jovens votassem, chanceler federal seria de esquerda

Se só jovens votassem, chanceler federal seria de esquerda

"HeidiAFD e A Esquerda não têm nada em comum ideologicamente, mas os dois partidos são aqueles que conseguiram dominar as redes sociais, principalmente o TikTok.A Alemanha vive uma virada política para a direita. O candidato vencedor das eleições federais realizadas no domingo é Friedrich Merz, um conservador da União Democrata Cristã (CDU) de 69 anos. Merz é um retrato perfeito da política à moda antiga: branco, mais velho, católico e conservador nos costumes. Em outras palavras, um careta.

Mas tudo seria bem diferente se só os jovens votassem. As estatísticas mostram que, entre os eleitores de 18 a 24 anos, o partido mais votado foi A Esquerda, e sua candidata principal, Heidi Reichinnek, uma deputada antifascista e feminista de 36 anos, que é uma das causas do sucesso. Se só os jovens votassem, a moça tatuada e com discurso forte seria a chanceler federal da Alemanha.

Entre os jovens com menos de 25 anos, a Esquerda teve 25% dos votos. Em segundo lugar, está o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), com 21%.

A AfD e A Esquerda não têm nada em comum ideologicamente, pelo contrário, eles são oponentes que representam lados opostos do pêndulo político. Mas os dois partidos são aqueles que conseguiram dominar as redes sociais, principalmente o TikTok. E esse, com certeza, é um dos motivos para o bom resultado deles com os jovens, que são influenciados pelos conteúdos da rede dos vídeos curtos.

O sucesso da AfD nas redes sociais não é novidade e já preocupava o campo democrático há tempos. Eles dominam as redes com tanta maestria que, em alguns ciclos de jovens, votar para a AfD, um partido de ultradireita, com pauta xenófoba e ligação com neonazistas, virou algo cool, quase uma modinha.

Poder das redes sociais

Claro, o sucesso nas redes não é a única razão para esse fenômeno triste. Sabemos que muitos jovens estão sem esperança e por isso procuram soluções radicais, que meninos se sentem apavorados em um mundo onde eles não são mais "o centro do universo" e se identificam com figuras como Donald Trump e Elon Musk.

Mas o poder das redes sociais, não pode ser ignorado, e é uma das causas do avanço da extrema direita mundo afora. O próprio Musk, dono do X, foi, inclusive, um dos maiores garotos propaganda da AfD nessas eleições e, além de fazer campanha em sua rede, chegou a fazer uma live com a candidata deles, Alice Weidel.

A AfD ter 21% da preferência dos jovens é assustador, mas esse é um dado que já era apontado pelas pesquisas e esperado. O surpreendente é que A Esquerda, que até poucos meses era vista como um partido praticamente obsoleto, tenha virado pop. E Heidi é a musa dessa cena.

Sua popularidade aumentou depois que um vídeo de um forte discurso dela contra Merz viralizou no TikTok e teve, até agora, mais de 860 mil likes só no seu perfil, que conta com 580 mil seguidores e 15,7 milhões de likes. Na fala, ela reage indignada ao fato de Merz ter aceitado o apoio da AfD para tentar passar um pacote anti-imigração no Parlamento alemão em janeiro.

"Eu não acredito que um partido democrata cristão rompa o cordão sanitário contra a extrema direita, e é isso que o senhor está fazendo hoje!", ela diz, batendo as mãos no parlatório. Ela encerra a fala citando versos da música Wehrt euch!(Resista), que se tornou um hino das manifestações contra o fascismo no país. "Resista contra o fascismo em nosso país. Às barricadas", ela diz ao encerrar. Após o discurso no parlamento, alguns gritam: "bravo!"

Em suas redes, ela faz discursos curtos e diretos, posta memes espertos, usa camisetas antifascistas e cita até músicas de Taylor Swift. Dá certo. Principalmente porque ela parece ser totalmente autêntica em suas falas e gostos.

Pagar de jovem

Enquanto A Esquerda e a AfD se deram bem nas redes e, por consequência, com os jovens, os partidos tradicionais não se adaptaram à era das mídias sociais e ficaram para trás na preferência desses eleitores.

Eles, assim como acontece também no Brasil com políticos tradicionais, até tentam fazer sucesso nas redes, mas acabam pagando mico parecendo "velho tentando pagar de jovem". Nada parece genuíno quando um político como Merz ou o atual chanceler federal, Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD), tenta pagar de descontraído. Eles ficam parecendo mais aqueles tios e pais que perdem a noção e fazem os filhos passarem vergonha nas festas. Não por acaso, os partidos mais tradicionais receberam poucos votos da juventude. O CDU ficou com 13% e o SPD com 12%.

Além do sucesso nas redes sociais, acredito que o fator "identificação" conte muito. Não deve ser fácil para os jovens se identificarem com figuras como Scholz e Merz, que parecem mais ser diretores das escolas onde estudam ou chefes (e não dos mais legais). "A Heidi é alguém que eu sinto que me representa", contou minha enteada de 18 anos, que votou pela primeira vez e escolheu A Esquerda.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente da DW.