Mark Moody-Stuart discorre sobre temas difíceis do mundo corporativo com serenidade de quem já viu de tudo em seus 77 anos. À frente da Shell de 1998 a 2001, conduziu a petroleira num momento em que tentava sobreviver a uma aguda crise de reputação. Agora, quer ajudar a salvar a Odebrecht, que confessou ter montado um dos maiores esquemas de propina já vistos.

O britânico, que faz parte do Conselho Global da empresa, acredita que a Odebrecht tem conserto, mas que o processo leva tempo. “É como o Alcoólicos Anônimos, que têm um programa de dez passos.”Para ele, é ótima hora para contratar a companhia, que hoje é vigiada por diversos monitores. “Eles sabem que é questão de sobrevivência e que têm de acertar.”

Seguimos vendo casos de corrupção em multinacionais. As empresas recusam-se a mudar?

Recusam-se a mudar ou mudaram numa direção negativa? (risos). O fato é que não é um fenômeno novo. Para muitas grandes empresas, o maior desafio é o que chamo de propina que vem de fora. Elas têm de ficar em alerta para ver se rivais se reúnem para conspirar, se há tentativas de suborno de seus funcionários e se seus empregados pedem propina.

Empresas costumam se preocupar quando já há o problema.

O desafio é fazer as companhias entenderem que têm de se preocupar antes. Quando uma empresa responsável tem uma crise, todo mundo na companhia é afetado em sua autoestima. A Shell passou por isso em 1995, quando houve uma crise de direitos humanos (foi acusada de ser conivente com o governo nigeriano que executou ativistas, entre eles, o escritor Ken Saro-Wiwa) e outra ambiental, com o plano de descartar uma plataforma no Mar do Norte. Antes de 1995, se você dissesse que era da Shell, era bem visto. Depois de 1995, menos… É preciso consertar.

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Na Odebrecht, é hora então de pensar mais no moral dos funcionários do que na opinião de fora?

Em ambos. A Odebrecht tinha alta reputação e veio essa crise. É a mesma situação da Shell de 1995. “Trabalha na Odebrecht? Ah, teve suborno”. Há um problema de autoestima. E, em negócios inteiros da Odebrecht, não houve acusações (de corrupção). Olhando o que foi feito. Passo um: Emílio Odebrecht diz “somos culpados”. Passo dois: publicar dez princípios, que são bem poderosos. Depois você precisa de exemplos: de que deixou de pegar um contrato e de que isso te custou dinheiro no curto prazo por causa desses princípios. Então todos na organização ficarão confortáveis em dizer: não fazemos isso (pagar propina). Isso é muito poderoso. O objetivo tem de ser ganhar a confiança interna. Então virá a confiança externa.

Mas funciona se os princípios vêm de quem liderava antes?

As pessoas diretamente envolvidas não estão mais lá.

Emílio Odebrecht está…

Sim. Você encara um desafio. Quando Georg Kell (fundador do Pacto Global da ONU) e Sérgio Foguel (do conselho de administração da Odebrecht) perguntaram se eu me uniria a ao conselho fui olhar o que estavam fazendo e pensei: parece bom, a questão é como estão fazendo. Alguns (negócios) podem não ter conserto.

A Odebrecht tem conserto?

Tem, com certeza. Talvez não deva dizer isso, mas é um pouco como os Alcoólicos Anônimos, que têm um programa de dez passos. O primeiro é ir na reunião e dizer: sou alcoólatra. Então, há regras. Depois você tem de garantir que motivará as pessoas a acreditar nas regras. Na Odebrecht, criaram comitês de compliance reportando ao conselho. Além disso, há monitores do Departamento de Justiça dos EUA e das autoridades brasileiras. De certa forma, posso dizer que não estão fazendo nada de errado agora, porque eles têm monitores por todos lados. Se você quer um trabalho bom, limpo e correto, agora a Odebrecht é a melhor para isso.

Qual deveria ser o papel da família Odebrecht agora?

A família é dona do negócio e isso não vai mudar – bem, pode mudar, não sei. Em uma empresa normal, o acionista não toca a empresa. Na Saudi Aramco (petroleira estatal saudita, na qual Moody-Stuart é membro do conselho de administração), a família indica conselho, aprova auditorias, recebe contabilidade. Não coloca o dedo na gestão. Na Odebrecht, a família ficará na holding. Eles estão cuidando disso.

Faz sentido mudar de nome?


Se apenas mudar o nome, todos dirão: ‘Ah, fala sério, você está apenas chamando um elefante de rinoceronte e esperando que acredite que se transformou em rinoceronte’. Mas, se o elefante se transformar numa gazela, você pode chamá-lo de Jim em vez de Jambo. Meu instinto imediato não seria dizer para que troquem. O nome não é o problema. Se consertar a reputação, aí pode dizer que fez uma joint venture e talvez possa ter outro nome. Caso contrário, será perda de tempo. O nome, apesar de tudo, ainda tem valor.

Por quê?

Se falassem para mim que um dos competidores é uma construtora chamada Odebrecht, diria: “Conheço, construíram projetos grandes, de forma eficiente, ganharam prêmios, sei quem eles são”. Minha segunda pergunta seria: “Eles estão limpos ou mancharei minha reputação fazendo negócios com eles?”Diria que, com os passos que eles tomaram, agora eu não prejudicaria minha imagem.

Será mais fácil para a Odebrecht mudar a imagem no exterior?

É basicamente o mesmo desafio ou até mais difícil. No Brasil, a maior parte das pessoas sabe que o problema não é a Odebrecht. O problema é maior. Olha a Petrobrás, o governo, as alegações de corrupção… Fora do Brasil, pode-se tentar escapar da questão culpando apenas a Odebrecht. Diria para qualquer governo no mundo que, para fazer negócios limpos neste momento, a Odebrecht é uma aposta muito boa. Se eles derem um passo errado, as coisas realmente vão explodir e provavelmente será o fim da organização. Eles sabem que é questão de sobrevivência e que têm de acertar. Qualquer companhia gostaria de sair logo disso, ninguém gosta de trabalhar com esse nível de supervisão. Mas é parte da cura: seguir tomando as pílulas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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