O vídeo antidemocrático que levou o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) para trás das grades foi publicado um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer, também num post de redes sociais, que para acabar com fake news, “o certo seria tirar de circulação” diversos veículos de imprensa.

As duas manifestações, em menos de 24 horas, são um lembrete de que o impulso golpista e as fantasias violentas estão sempre borbulhando logo abaixo da superfície no bolsonarismo.

A cada episódio como esses fica mais claro que nem mesmo as vitórias, como a eleição de chefias do Congresso mais alinhadas ao Planalto, ou a aparente neutralização de movimentos em direção ao impeachment, contribuem para reduzir a “pulsão de morte” de Bolsonaro e companhia.

Daniel Silveira foi bem explícito em seu vídeo. Revelou que sente prazer ao imaginar o espancamento de ministros do STF. O desejo de aniquilar o inimigo – qualquer pessoa ou organização que restrinja os movimentos de sua gangue – é muito mais que metafórico.

Do ponto de vista político, não há dúvida que é preciso reagir com força a cada uma dessas agressões. Se o bolsonarismo não se contém sozinho, ele tem de ser contido. Não é sábio dar sinais de fraqueza a esse tipo de predador.

Até agora, a tarefa de contenção coube principalmente ao Supremo, por meio do inquérito das fake news. É uma tragédia que seja assim. Para cumprir esse papel, o tribunal teve de recorrer a um procedimento atípico. Por natureza, a Justiça responde quando é acionada. Neste caso, o próprio STF começou a investigação e toma, de ofício, iniciativas como a prisão de Daniel Silveira.

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No começo da tarde de hoje, o plenário do STF ratificou a ordem de prisão emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, assim como já havia deliberado antes sobre a constitucionalidade do próprio inquérito das fake news.

Agora, como exige a Constituição, a punição ao deputado será analisada pelo plenário da Câmara. Tudo indica que a casa vai votar pela libertação de Daniel Silveira. Resta ver em quais termos.

Algo me diz que a sessão será tomada por discursos contra o “ativismo judicial” e a “atuação política do STF”. De fato, não deveria caber ao Judiciário fazer combates na linha de frente. Mas é a inação do Congresso que leva a isso.

Passaram-se meses, e ainda nem começaram a ser apreciados pelos respectivos conselhos de ética os casos de uma deputada suspeita de encomendar o assassinato do marido e de um

senador que foi flagrado com dinheiro escondido nas nádegas. Portanto, não seria surpresa nenhuma se as ameaças antidemocráticas de Daniel Silveira passassem batidas pelos seus pares, como se fossem coisa normal e aceitável.

Talvez um dia o Congresso comece a levar a sério suas próprias regras de decoro parlamentar. Talvez um dia tome para si mesmo a tarefa de separar a discussão política legítima da incitação golpista e do ódio às instituições. Talvez um dia resolva até mesmo cobrar Jair Bolsonaro pelos seus arroubos.

Até que isso aconteça, cabe repetir: se o bolsonarismo não se contém, alguém precisa contê-lo.

PS: Alguns deputados estão dizendo que Daniel Silveira só expressou uma opinião, e portanto estaria protegido pela imunidade parlamentar. Outros ainda devem se juntar ao coro. O próprio Silveira tentou se proteger, dizendo que suas fantasias sangrentas e sua pregação autoritária estavam apenas no plano da imaginação. Acho que a jurisprudência do STF sobre o que é opinião legítima e o que é incitação criminosa ainda precisa ser melhorada, se tornar mais clara e precisa. Mas o país realmente está muito doente se acha que as imagens de ministros espancados e tribunais fechados à força compõem um discurso político que se deva aturar. Daniel Silveira não é roteirista de filme de Hollywood. É deputado federal, e isso dita alguns limites para aquilo que pode falar.


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