‘Se equivocou’, diz especialista após Baby do Brasil sugerir perdão a abusadores

Ao pregar em um culto em São Paulo, a cantora e pastora sugeriu que as vítimas de abuso sexual devem perdoar seus agressores

Baby do Brasil
Baby do Brasil Foto: Foto: Divulgação/IstoÉ Gente

[DISQUE 100 para denunciar violações de direitos humanos e DISQUE 180 para denunciar qualquer tipo de assédio contra a mulher]

A atitude da cantora e pastora Baby do Brasil, de 72 anos, continua gerando polêmica. Durante sua pregação em um culto, que reuniu dezenas de pessoas na casa noturna D-Edge, em São Paulo, na noite da última terça-feira, 11, a artista sugeriu que vítimas de abuso sexual devem perdoar seus agressores, inclusive quando se trata de um familiar.

“Perdoe tudo o que você tiver de ruim no seu coração, aqui, hoje, neste lugar. Perdoe! Se houve abuso sexual, perdoe! Se foi na família, perdoe!”, pediu Baby. “Se for briga de família, mãe, filho, pai, perdoe!”, acrescentou.

Assista ao vídeo do momento da fala de Baby do Brasil:

Repercussão nas rede sociais

A fala problemática de Baby repercutiu nas redes sociais, gerando uma série de críticas. “Que nojo desse vídeo! Uma vítima de abuso não tem que perdoar abusador nenhum”, disse uma internauta. “O que ela disse me parece criminoso. Achei um absurdo”, indignou-se outra.

Nyrton, um dos filhos da pastora, declarou em um comentário no Instagram: “Eu, como filho desta mulher e com muita decepção, deixo claro a todos: não apoio nada disso!! Nunca serei conivente com as loucuras e o fanatismo religioso da minha mãe! Que tristeza sem fim!!!”, lamentou ele.

Renato Ratier, dono da casa noturna D-Edge, que se converteu ao cristianismo em 2024, rebateu as críticas sobre o culto evangélico na boate em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

“Tem muito culto em hotel e, se você quiser chegar e pedir uma cerveja ali, você tem. Então, vai mais da consciência das pessoas”, justificou.

A reportagem de IstoÉ Gente entrou em contato com a assessoria de Baby do Brasil e procurou o Ministério Público do Estado de São Paulo, mas, até o fechamento desta matéria, ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto para declarações.

‘Se equivocou’

Conversamos com a terapeuta e escritora Lari Pedrosa, que explicou e analisou o tema de forma delicada. Leia abaixo na íntegra!

  • O que significa, de fato, perdoar?

O ato de perdoar pode se tornar um ato de superioridade, em que alguém se coloca acima do outro, como um juiz que decide quem merece ou não redenção. O verdadeiro perdão, aquele que liberta, não pode vir de um pedestal. Ele exige uma profunda compreensão da humanidade do outro e, principalmente, da própria dor.

Não pode ser imposto, nem deve ser usado como um instrumento de silenciamento. Sendo assim, observo que a cantora Baby do Brasil se equivocou ao sugerir que agressores de violência física e psicológica devam ser perdoados. Sua declaração expõe um problema grave: a espiritualização forçada do perdão como um dever moral.

O desejo do agressor não pertence à vítima, assim como o desejo da vítima não pertence ao agressor. Há uma linha intransponível entre os dois. E, quando tentamos encobrir essa linha com discursos religiosos que pregam o perdão sem processo, sem reparação e sem justiça, estamos apenas reforçando um sistema que protege os agressores e silencia os sobreviventes.

O filósofo Friedrich Nietzsche questionava a moral cristã do perdão ao apontar que, muitas vezes, ele é usado como uma ferramenta de poder, como uma forma de manter a vítima submissa à história que a feriu. O uso de Deus como ferramenta para o condicionamento do perdão é um terreno perigoso. Muitas vítimas já foram obrigadas a aceitar suas dores em nome de uma suposta resignação espiritual, sendo ensinadas a calar-se, a seguir em frente sem espaço para raiva e para justiça. Mas o perdão não pode ser um escudo para a impunidade, nem um fardo colocado sobre quem já sofreu tanto.

É possível que a cura aconteça sem que haja perdão, e o verdadeiro caminho para a liberdade emocional é o reconhecimento da dor e a construção de uma nova história, sem a obrigação de carregar um perdão que não faz sentido.

Vítimas de abuso precisam ser acolhidas para encontrarem suas próprias respostas, sem pressa. Precisam ser tratadas com respeito, com empatia, e ter espaço para sentir, para se reconstruir e para se desenvolver com consciência sobre suas dores e traumas. A cura está no reconhecimento da dor, no direito de sentir e, acima de tudo, no direito de não carregar a culpa por algo que nunca deveria ter acontecido.

O perdão, se vier, precisa ser uma escolha pessoal e consciente, e não uma imposição travestida de fé. Porque só assim ele será real. E, acima de tudo, justo.

Baby do Brasil X Religião

  • Baby do Brasil, que é ex-vocalista dos Novos Baianos, se converteu ao cristianismo na década de 1990. Desde então, a cantora, que se define como uma “popstora”, tem profetizado sua fé.
  • Em entrevista ao UOL, em 2019, Baby disse que de início os evangélicos achavam que ela tinha se convertido para poder vender discos. “Quando percebi que as pessoas pensavam que eu estava entrando no gospel para faturar, eu falei que não ia colocar nenhum disco. Eu preciso dar mais provas para essas pessoas que estou aqui porque realmente tive um encontro com Deus. Isso até me arrepia”.
  • Baby já fez parte da Sara Nossa Terra, que é uma igreja evangélica neopentecostal. A vertente do protestantismo prega, entre outros assuntos, a ênfase na experiência emocional do cristão e a teologia da prosperidade, que ensina que a fé pode levar ao sucesso e “bênçãos materiais”.
  • A cantora passou a se descrever como uma “popstora”. Baby fundou a igreja Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome de Jesus.
  • Baby do Brasil é mãe de seus filhos. Sua filha mais famosa, Sarah Sheeva, se define como “pastora-missionária” e é criadora do “culto das princesas”.

Como denunciar e buscar ajuda em casos de assédio sexual?

Para realizar denúncias de abusos sexuais contra menores, disque 181. Para casos envolvendo violência contra a mulher, disque 180. A identidade da pessoa denunciante pode ser mantida em sigilo.

Consulte também os endereços das delegacias especializadas no Mapa das Delegacias da Mulher.

Hospitais e postos de saúde públicos devem oferecer apoio imediato a qualquer pessoa que se apresente alegando ter sido violentada e necessitar de ajuda.

Referências Bibliográficas

Lari Pedrosa – Terapeuta Sistêmica, Facilitadora e Escritora. Autora do livro – “Uma Nova Mulher – Curando a Conexão Mãe e Filha” (Literare Books International).