O Brasil já tem o seu Dia do Fico: 9 de janeiro. Foi em 1822 e significou historicamente o marco embrionário de nossa identidade enquanto Nação, construído tanto pela reação popular quanto pela ação de setores da elite agrária, política e intelectual contra um regime que se desenhava, além mar, autoritário – o das Cortes Constituintes portuguesas. Agora, duzentos anos depois, o Brasil quer ter o seu Dia do Cai Fora: livrar-se politicamente, pelas vias constitucionais, do presidente Jair Bolsonaro, exatamente para não correr o risco de ser anulado como a Nação que ganhou sopro de vida dois séculos atrás – e, novamente, a sociedade civil se mobiliza para enfrentar o autoritarismo, que dessa vez está em nosso próprio território. O Dia do Fico refere-se a Dom Pedro I, querido pelo povo e demais estamentos sociais à época em que exerceu a função de máxima autoridade do País. O Dia do Cai Fora, como já dito, diz respeito a Bolsonaro, a cada instante menos apoiado pela população e já praticamente isolado, no exercício do mandato, pelos setores empresarial, agrário, financeiro, político, intelectual, artístico e cultural. A sua gestão é atualmente aprovada por somente 22% da população e desaprovada por 53% dos brasileiros.

SÉCULO 19 Dom Pedro I: fase embrionária do Brasil como Nação (Crédito:Divulgação)

Vamos aos primórdios, depois ao presente, tendo sempre em mente a seguinte frase: temor do retrocesso. Com medo do avanço de Napoleão, o então príncipe regente de Portugal Dom João transfere-se em 1808 com toda a Corte para o Brasil colônia. Vieram cerca de quinze mil pessoas, entre cientistas, intelectuais, sacerdotes, magistrados e burocratas – eis nossa tradição cartorial. E vieram ainda bibliotecas e maquinas de impressão. O próprio Estado e as próprias instituições aqui desembarcaram, e a colônia viveu dias de progresso, tanto que em 1815 ganhou o status de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. No início, de ruim, deu-se a expropriação à força das boas casas que Dom João quis para seus companheiros, e as que serviam eram marcadas com as iniciais “P.R” – ou seja, Príncipe Regente. Mas, ao mesmo tempo, a população aplaudia o progresso e adorava ver o bonachão João na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, devorando pedaços de frango que tirava dos bolsos.

Em 1820 estourou na cidade portuguesa do Porto a Revolução Liberal (só no nome, como qualificou José Bonifácio de Andrada e Silva) e Dom João teve de retornar. Disse ao filho Pedro: “põe a coroa sobre tua cabeça antes que algum aventureiro lance mão”. Pedro o fez. Após um ano, a Revolução exigiu também a sua volta. Povo e elites protestaram, preocupados com o retrocesso que viria porque o Brasil seria rebaixado novamente à condição de colônia e perderia as vantagens comerciais. Chega-se, assim, à data de 9 de janeiro de 1822. Oito mil assinaturas são colhidas. Fala Pedro: “se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, diga ao povo que fico”.

Mantenhamos ainda conosco a expressão acima pedida: temor do retrocesso. É igualmente isso que ocorre hoje em dia, tendo no comando do País um homem que vive agredindo as instituições democráticas, os direitos humanos, as conquistas civis, aparelha o Estado, elogia torturadores, dá de ombros para os mortos pela Covid, tenta impedir que crianças se salvem da pandemia, fez da economia uma naúfraga, quer transformar o regime democrático em fascismo – e é inimigo do batente. Manifestações de rua, a firme ação do STF, pedidos de processo de impeachment, e, mais uma vez, a intervenção das elites empresarial, financeira, agrária, estudantil, artística e intelectual impedem-no de golpear a República. Lá atrás, a mobilização implorava para que o moço, recém-deixado de ser imberbe, ficasse; agora se implora para o marmanjão partir. As mobilizações, de antes e do presente, aproximam-se, uma da outra, na defesa do Brasil. A primeira manteve Pedro. A segunda é como se já tivesse fixado na alma duas outras iniciais. Lembram do “P.R” de que falamos? Agora é “F.B”. Fácil adivinhar: “Fora Bolsonaro”.