Scott Turow se tornou um dos maiores autores de best-sellers do mundo apostando na especialização. Nascido em Chicago em 1949, ele se formou em Harvard e Stanford e trabalhou como promotor e advogado criminal. A experiência jurídica e o gosto pela literatura o levaram a escrever livros. Em 1977, publicou o seu primeiro livro, “One L”, em que conta a experiência de formação no primeiro ano da faculdade de Direito na Harvard Law School. Quando foi picado pelo mosquito brilhante da ficção, ele naturalmente escolheu a área do suspense jurídico.

[posts-relacionados] Em 1986, quando publicou o seu primeiro romance no gênero, “Acima de Qualquer Suspeita”. O sucesso foi tamanho que ele se desligou da advocacia. Hoje, com 12 livros lançados, vendeu 30 milhões de exemplares e suas obras foram traduzidas em 40 idiomas. Todas seguem o modelo do suspense jurídico. Mas a última delas, o romance “Testemunha” (editora Record, 504 páginas, tradução de Alessandra Bonrruquer, R$ 54,90) traz uma pequena alteração no percurso de Turow: em vez de ambientar a trama em um tribunal americano nos dias de hoje, ele escolheu o Tribunal Penal Internacional de Haia para narrar os bastidores de um julgamento de crimes contra a humanidade na Guerra da Bósnia, que, de 1992 a 1995, ficou famosa pelos massacres genocidas. Turow acompanha o esforço do advogado Bill Ten Boom para investigar o massacre de uma aldeia cigana. Nesta entrevista exclusiva, Turow conta como transformou um ambiente considerado burocrático e lento no palco para uma das tramas políticas e éticas mais turbulentas  já lançadas em suspense.

Gostaria de saber como ocorreu a mudança de perspectiva em “Testemunha”. A história que exigiu novos desafios da parte do escritor?

Um leopardo não pode alterar suas pegadas e, mesmo que eu gostasse de fazê-lo, não posso me refazer como escritor, especialmente quando já estou na quadra final dos 60 anos. Obviamente o romance transcorre em um local bastante diferente, e eu tive que ler e viajar muito para aprendeu sobre o Tribunal Criminal Internacional, a Guerra da Bósnia e o povo Roma. Mas o livro nunca me pareceu uma mudança radical. É a mesma receita de trama e personagens que os leitores do meu trabalho devem estar familiarizados.

O que você aprendeu ao conhecer melhor o Tribunal Penal Internacional de Haia – um local que o protagonista Boom chama de uma espécie de Disneylândia? De certa forma, você poupou o leitor de visitar Haia?

Como Boom, eu me afeiçoei a Haia. É uma cidade sofisticada e cosmopolita. Quanto ao tribunal, a própria seriedade do tema com o qual lidei – crimes de guerra – e a necessidade de manter o apoio de uma circunscrição bastante fragmentada exige que o Tribunal Criminal Internacional adote uma postura formal e austera. A única maneira de minimizar o as críticas é aderir rigorosamente às regras.

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Você deve ter assistido a alguns julgamentos do Tribunal de Haia.

Sim, assistir às sessões do tribunal foi fácil. Elas são transmitidas ao vivo pela internet. Eu acordava bem cedo para assistir, de traje de banho, a muitos julgamentos diante do meu computador. Mas para captar a atmosfera real, viajei duas vezes para Haia e ver as sessões de perto.

Foi difícil criar um suspense a partir de uma situação como um julgamento de crimes contra a humanidade?

Desde o tempo que um grupo de advogados me sugeriu que eu escrevesse um livro ambientado em um dos tribunais internacionais de Haia, eu achei que era de fato um bom cenário para uma história de suspense, porque é incomum e nada batido e porque os crimes não podem ser minimizados. Os crimes de guerra envolvem desdobramentos das questões morais muito altos e existe necessidade de resolver o crime com urgência – tudo isso combina bem com uma história de suspense.

Como você criou os personagens, como Ferko (a testemunha) e Laza Kajevic (o criminoso de guerra)? Você se baseou em Radovan Karadzic para criar Kajevic?

Eu li muito sobre o doutor Karadzic. A história dele obviamente inspirou a de Laza Kajevic, mesmo que haja algumas diferenças sensíveis,especialmente no que se refere à captura real e imaginada e o confronto de tiros com os americanos, do qual Kajevic conseguiu escapar, episódio que surgiu totalmente da minha imaginação. Mas é da natureza do Tribunal Penal Internacional de Haia despender um tempo enorme pensando nos monstros da História. A corte foi criada para fazer justiça de acordo com a lei. Em termos de pesquisa, li muito, permaneci uma semana na Bósnia e fiz várias entrevistas sobre a Guerra dos Bálcãs. Todas essas experiências são descritas na nota do autor e no meu site (https://scottturow.com). Eu acho que, ao fim de todos os temas que eu abordo, acabo aprendendo muito – sobre a Bósnia, sua história triste, Haia, o Tribunal Internacional e a justiça internacional. Eu li mais do que tudo sobre o povo Roma para entender mais sobre esse que é o mais extraordinário grupo da terra.

Para o massacre fictício da aldeia de Tuzla, você se baseou em algum evento real da Guerra da Bósnia?

Eu digo com tristeza de que há muitos e muitos massacres nesse período. A Guerra da Bósnia foi pródiga em massacres. Infelizmente, não me faltaram modelos para a trama. Mas nenhum desses casos pode ser comparado com minha história. Eu fiquei obcecado por um massacre real em que as pessoas foram presas em uma caverna, mas não consigo me lembrar onde foi. Não acho que tenha sido nos Bálcãs.

Quais as diferenças entre os tribunais americanos, seus velhos conhecidos, e o de Haia?

Obviamente, o tribunal de Haia é completamente diferente do que os que eu abordei antes. E a diferença básica é que o meu personagem é um estrangeiro que precisa lidar em todos os momentos com seu próprio senso de estranhamento. . A realidade é que há muitas nuances em linguagens, além de costumes que são impossíveis de compreender inteiramente.

Estou certo em dizer que a premissa do romance “Testemunha” consiste  na solução de um massacre, o que não deixa de ser um enredo clássico de quem-matou-quem (whodunit), só que em uma esfera mis ampla?


Eu concordo inteiramente com o que você acabou de dizer!

Ao  longo de 32 anos de carreira, seu estilo está ficando cada vez mais literário. É intencional essa ascensão de um estilo popular de best-seller para um registro literário?

Vou ser direto. Desculpe a modéstia: desde “Acima de Qualquer Suspeita”, tenho tentado fundir o registro literário e o popular. Reconheço que alguns de meus livros parecem um pouco mais autoconscientes do ponto de vista literário. Alguns livros meus são mais literários que os outros. Mas sinto a mesma necessidade de prestar atenção nos personagens e no realismo psicológico.


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